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Eu vou deixar minhas anotações aqui como uma espécie de "caderno" caso eu faça um vídeo sobre esse jogo. É um caso curioso, pois esse jogo já tem problemas na sua concepção: talvez seja o segundo jogo mais racista que já joguei na minha vida.

É de dar risadas o fato que eles escolheram o sotaque mexicano para representar o que supostamente devia ser bolivianos. Digo isso na honestidade, eu não fico nem com raiva, mas a réplica estereotipada do que devia ser a Bolívia é simplesmente um show de humor não intencional. Desde a existência do culto extremamente mexicano à Santa Muerte até a retratação da América Latina como um reino do narcotráfico, a falta de noção eurocêntrica que a Ubisoft teve aqui é um show e tanto.

Literalmente pegaram a história do que ocorreu na Colombia e recontaram na Bolívia. Te juro, não estou reclamando, até recomendo ver porque é hilário. Mas juro que tem mais que isso nesse jogo e que talvez, TALVEZ ele valha seu tempo. É engraçado ver que a Ubisoft ficou conflitada entre a ideia do jogo e as implicações morais que as suas mecânicas podem trazer: você não pode matar mais que um punhado de civis acidentalmente, mas bombardear vilas está ok desde que a taxa de mortes civis seja baixa. É tipo, porra Ubisoft, vocês miraram em Far Cry e acertaram em Postal 2.

Mas primeiro, considere tudo o que eu disse da história e adicione essa impressão: eu ainda assim gostei bastante da história. Não apenas pelos estereótipos bizarros, mas o jeito que a narrativa constrói esse tema de dinheiro e corrupção é bem interessante. O jogo chega a até usar a estrutura cansada clássica da Ubisoft como um vetor da ludonarrativa. Não quero falar muito por spoilers, mas posso dizer que o sistema de múltiplos finais e o jeito que os critérios para o melhor final se conectam com a narrativa são aspectos que enriqueceram essa história muito. Mesmo que esteja longe de ser a melhor história que já vi em um videogame, essas sacadas ainda se complementam com um grupo de vilões carismáticos que conhecemos no processo de captura ou execução.

Dá para notar que esse jogo teve carinho, MUITO carinho na hora de construir seu mundo e seus personagens apesar dos tropeços preconceituosos.

Tem até um cantor que faz músicas sobre o cartel para incentivar os jovens a entrar no crime, e a Ubisoft foi lá e gravou umas 7 músicas para esse cantor! É irado para caralho ouvir o modo que suas ações vão mudando o mundo, ouvindo as informações pelo rádio — que sempre se atualiza com os últimos eventos que você causou no jogo. Não só isso, mas quanto mais eu desestabilizei o cartel, mais eu acabei contribuindo com os rebeldes da região, o que tornou meu jogo mais fácil porque encheu o mundo de patrulhas aliadas. Pode criar seu soldadinho para entrar nesse mundo virtual na paz, e que fique dito que a customização do protagonista é muito maneira também.

Algo que devo deixar claro antes de entrar na conversa de verdade: eu não gosto do padrão dos jogos da Ubisoft. Eu não consigo sequer jogar mais de 10 horas de The Legend of Zelda Breath of the Wild por conta da estrutura do jogo ter essa base que conhecemos em Far Cry ou Assassin's Creed. Entretanto, o ranço que peguei vem muito provavelmente da superexposição que tive aos jogos que seguem essa estrutura. Joguei bastante Far Cry, Assassin's Creed e inúmeros jogos com estrutura similar (Crackdown, Just Cause 2) e isso deixa um sabor meio seco na minha boca.

Entretanto, Ghost Recon Wildlands parece entender as peças para tornar essa fórmula tão enjoativa e cansada em algo interessante.

A peça número um é o contexto. Esse jogo tem um esforço ativo em contar sua narrativa pelo cenário. Uma vila inteira foi raptada pelo cartel? Uma hora, um outpost será essa vila vazia. Isso foi até assustador considerando o jeito que o jogo até então segue a estrutura que bem conhecemos da empresa. Aí, uma das zonas é tomada pela polícia corrupta — sem outposts tradicionais. Parecia que eu estava jogando um Metal Gear Solid lá. O cenário não é escravo do game design cansado da Ubisoft aqui: ele se esforça para ser memorável e creio que muitas das zonas aqui são inesquecíveis. Há uma diversidade grande de situações maneiras e isso também ajuda a caracterizar os personagens (que são líderes desses locais), o mundo e tornar sua experiência mais marcante.

A segunda peça é dificuldade. Um dos motivos que o padrão Ubisoft é um pé no saco é justamente que você completa os outposts sem se importar. Em um Far Cry da vida a captura da base é um exercício de "tudo funciona". Quer usar a sniper e capturar de longe? Funciona! Quer testar qualquer arma maluca que liberou? Funciona! Quer atropelar todos? Funciona!

Ghost Recon Wildlands não permite isso. Na dificuldade extreme (a que recomendo jogar, confia) basta alguns tiros para morrer. O jogo parece te odiar e após algumas horas duras, você começará a usar todos os seus recursos. O sistema de esquadrão com 4 aliados está aí justamente para isso.

O stealth vira uma ferramenta tática interessante: evita reforços, é seguro e tranquilo. Se você é um jogador minimamente bom aqui, sempre começará no stealth pois ele é uma etapa natural do combate. É o momento que você diminui os números da força inimiga. Porque mesmo se for visto, um confronto entre quatro contra cinco é muito mais seguro do que uma guerra contra 30 inimigos. Caso seja visto, entraremos em um tiroteio imersivo que me evoca jogos como STALKER. Fique na cobertura e administre bem o campo de batalha.

As vezes, ao liderar meu esquadrão e todas as tropas rebeldes que estavam no meu poder, me senti em um RTS. Me escondia em uma cobertura, mandava airstrikes, ordenava mais tropas e aos poucos atirava de longe. É uma experiência muito divertida que evoca o espírito da franquia Ghost Recon: você, nesse momento, se sente o líder de um esquadrão de elite.

Nesse momento, o sandbox da Ubisoft para de ser simplesmente um punhado de marcadores chatos espalhados no mapa. Sabe qual a vantagem de ter um mundo aberto, orgânico e reativo? É justamente o fato que toda ação tem uma consequência em cadeia. Os ditos elementos de "immersive sim" de um Far Cry da vida eram invisíveis porque você nunca era estimulado a ser criativo. O jogo era bobo demais e nunca te forçava a pensar fora da caixa. Ghost Recon Wildlands te força, como um agente de elite, a usar todos os recursos possíveis e impossíveis para vencer.

A terceira peça é a ludonarrativa. Como já expliquei, o mundo de Ghost Recon Wildlands realmente se sente vivo por conta do trabalho bem feito de worldbuilding e caracterização do espaço. Cada local conta com sua história e encarar o líder de cada zona realmente se sentiu como um arco de história individual e divertido. Mas já falamos bastante disso...

O quarta e última peça é o co-op. Um sandbox da Ubisoft pode ser meio cansativo, mesmo com todos os ajustes acima. Agora, adicione um amigo e veja o caos desse sandbox transbordar na tela. É um dos meus co-op favoritos e acho inacreditável o quanto a simples presença de alguém nesse mundo da Ubisoft tornou esse jogo tão divertido. Não só isso, mas o design do jogo é realmente bem polido para co-op, é de elogiar mesmo.

Caso não tenha amigos, terá que se virar com a IA dos companheiros, trazendo quatro parceiros controlados pelo computador. Felizmente, apesar de uns tropeços aqui e ali, achei ela surpreendentemente boa. Talvez até mais apelona do que jogar com os amigos, sendo que tem até upgrades relacionados ao uso dessas IA no lugar de parceiros de co-op.

Dito isso, esse jogo está longe de ser perfeito. Uma das coisas mais impressionantes dele é a escala: o mundo é imenso e a sensação que dá de ver uma montanha no fundo do mapa e descobrir que dá para andar até lá é perfeita. Mas aí você se lembra: esse jogo é imenso, e é feito pela Ubisoft.

Não vou disfarçar: muito do conteúdo começa a ficar cansativo depois de você concluir 50% do mapa do jogo. Os momentos que subvertem a expectativa do design padrão desse estilo valem a pena, mas as vezes eles te lembram o quão melhor esse jogo podia ser se a Ubisoft não acelerasse o desenvolvimento de seus jogos tanto assim. Eu também odeio o fato que tem uns sistemas idiotas de lootbox atrelados ao multiplayer; que não parece ter muita aderência entre os jogadores. Não afetaram minha experiência porque é puramente para uns cosméticos bregas, mas sei lá? Só não gosto de ver eles ali.

Se você gosta de The Phantom Pain e quer algo com jogabilidade parecida, é uma recomendação bem boa. Só vale o aviso que as vezes esse jogo crasha quando eu tento iniciar e que mesmo no estado atual de "consertado", está longe de ser um jogo polido. Mas também está longe de ser digno de grandes reclamações, 90% dos problemas só exigiram que eu reiniciasse o jogo.

Gostei mais do que eu achei que gostaria. Bom jogo.