Tunic segue uma premissa aparentemente humilde: ser uma homenagem aos Zeldas da era 2D, como A Link to the Past, mas com gráficos 3D em perspectiva semifixa tal qual Link’s Awakening. Não é salutar usar comparativos com outros jogos como descrição, mas me refiro à parte estética aqui.

Mas mesmo assim, quando a proposta é reproduzir algo já existente, se torna difícil não buscar nas referências os elementos que se quer utilizar seja para criar, seja para analisar.

Nessa linha, Tunic é bastante consciente que almeja seja um “zeldinha”, como carinhosamente se chamam os Zeldas 2D. O design segue a linha de exploração de um mundinho cheio de segredos a serem descobertos via exploração e resolução de quebra-cabeças, com masmorras e cavernas, templos e construções antigas repletas de mistérios.

Mas contudo, Tunic não se limita a copiar as referências. Muito pelo contrário. A proposta aparentemente manjada toma cores extras quando se adiciona elementos de outros jogos na mixagem e uma única ideia nova é capaz de trazer inovação suficiente pra não aparentar ser uma mera iteração de uma franquia.

A estrutura basilar do jogo segue a linha de Zelda, mas temos a adição de um combate mais mortal e metódico, que naturalmente faz lembrar jogos como Souls. Há energia a se gerenciar ao bloquear ou esquivar, além do HP recuperado com poções finitas recarregáveis em altares que reposicionam todos os inimigos comuns derrotados. Se lembra Souls, tem fundamento. O funcionamento é similar às famosas bonfires, as fogueiras que se tornaram um pilar característico dos jogos souls e similares da From Software e de outros títulos que se baseiam nesse modelo.

Temos então em matéria de estrutura e design um misto saudável de Zelda e Souls, duas franquias absurdamente aclamadas e idolatradas por fãs ao redor do mundo. Como então criar algo novo com tanta bagagem e olhos famintos?

Andrew Shouldice, designer de Tunic, teve a brilhante ideia de incluir no jogo, como metalinguagem e como mecânica, um manual de instruções que lembra os que outrora vinha como encarte nos jogos físicos. O manual contém instruções de como jogar, descrição de alguns itens e detalhamento de mapas e progressão no jogo, além de segredos.

Mas…que língua é essa? Ao invés de estar redigido em uma língua conhecida, o designer optou por criar um alfabeto próprio para o jogo. Ele segue uma lógica própria que cabe à comunidade (impossível solucionar sozinho, a menos que vc seja um linguista) traduzir por completo. Mas isso não é necessário para compreendê-lo.
Shouldice teve a genialidade de desenvolver o próprio manual como um grande quebra-cabeça, onde algumas palavras chave são escritas em línguas conhecidas (aí vai depender de que língua vc está jogando) e se misturam com ícones e demais símbolos que carregam significado mesmo sem recorrer à verbalização propriamente dita.

E é por meio de uma interação constante com o mundo virtual de Tunic e com o manual que está desmontado e incompleto que o jogador precisa avançar no jogo para coletar mais e mais páginas e obter mais pistas de como progredir. Talvez essa tarefa se mostre demasiadamente árdua para jogadores que não gostam de quebra-cabeças e prefiram algo mais leve.

Isso porque o nível de quebra-cabeça é relativamente alto, o que colabora para que o jogo tenha momentos “eureca” constantes e extremamente gratificantes, ao custo de alienar aqueles que não conseguirem solucionar seus enigmas. Isso não impede de se divertir, porque mesmo que o jogador não consiga resolver por si só, no ambiente de jogo moderno é fácil pegar dicas ou respostas diretas com inúmeros guias ou comunidades, além de ter a própria progressão nas dungeons que envolve combate, exploração e alguns quebra-cabeça mais simples.

Com dois finais possíveis, Tunic oferece ao jogador um encerramento mais doloroso por meio de combate, ou algo diferente caso ele se disponha a desvendar os maiores segredos do jogo. Para tanto, o próprio dev fez anotações e escondeu à plena vista dicas e pistas para conseguir triunfar.

Alguns desses desafios são mais complicados de se solucionar sozinho, então quem é averso a buscar ajuda externa talvez tenha uma experiência não tão agradável pela natureza de alguns enigmas. Colegas de crítica apontaram que a dificuldade dos quebra-cabeças na parte final do jogo lhes trouxe frustração, então se eu puder deixar uma só dica ela é: não se envergonhe de buscar ajuda, nem que seja pra receber conselhos indiretos. E na dúvida, pegue a resposta mesmo.

Reviewed on May 11, 2023


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