CorpoNation: The Sorting Process

CorpoNation: The Sorting Process

released on Feb 22, 2024

CorpoNation: The Sorting Process

released on Feb 22, 2024

Greetings, valued employee. You have been tasked with sorting the Ringo CorpoNation's genetic samples. With the credits that you earn, you can shop, game and pay your bills on time. Rogue workers may try to entice you into betraying your beloved employer, but we know you'll give 110%.


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Texto completo:
https://www.gamedesignhub.com.br/post/corponation-higienizando-a-revolução-proletariada-artigo-crítica

Antes de começar esse texto, gostaria de dizer que eu sou indiedev e que tenho Monotonia, um jogo muito parecido com as temáticas desse jogo e um prólogo dele lançado no ano passado e por isso mesmo, eu tinha altas expectativas com Corponation.
Monotonia foi minha militância pessoal e, como alguém que vive à mercê de um sistema de trabalho opressor, a arte foi minha forma de lutar.
Ver o trailer de Corponation me fez sentir que o GDH não lutava sozinho. Como alguém que busca descapitalizar a arte, ver colegas fazerem o mesmo foi o motivo de eu jogar esse jogo. Do começo ao final, eu esperava sair dele feliz, até fã. Porém, o motivo de eu redigir essa crítica vai além de uma mera experiência. Tal qual espero de toda e qualquer arte, a crítica também é nossa luta e, por meio dela, nossa militância em forma de expressão ganhará significado.
Minha leitura de Corponation vem de uma visão pessoal, mas minha crítica é a ação. Eu acredito na mudança, mas acredito na mudança completa e quando existe a vontade de mudança, poderemos fazê-la por um caminho em que nos unimos.

Mas para que haja união, é necessário existir antes o debate. Esse texto é meu debate pessoal às ideias demonstradas em Corponation.

Arte é trabalho.

E se eu tivesse que discorrer sobre o significado de qualquer um desses dois termos, aqui ficaríamos horas conversando ou até discutindo.

Mas podemos assumir que não existe uma forma prática atualmente de desassociar arte do modelo produtivo de trabalho se ainda dentro das rédeas capitalistas. Os artistas geram valor, por diversas circunstâncias suas obras são lidas como produto e, portanto, seu esforço em gerar essas obras pode ser lido como trabalho. Mesmo que para uso pessoal, a arte em si foi tomada pelo capital, afinal, nas regras que vivemos tudo tem um valor, seja sua arte ou você, artista.

Potencial humano sendo traduzido para potencial capital e financeiro, você é avaliado de acordo com o que produz financeiramente, e, claro, isso é refletido na arte.

Não apenas figurativamente, mas de uma forma intrínseca e muitas vezes inconsciente. A arte, por mais revolucionária que seus temas possam ser, é tão nativa do capital que seu formato cede ao conformismo social de valor capitalista. Vejam o Barbie, por exemplo. Apesar de eu, pessoalmente, adorar o filme, seus tópicos de trabalho direcionados a trabalhadoras mulheres possuem uma conclusão comercialmente higienizada.

Inicialmente, as Barbies são personalizadas de acordo com sua função social, ou melhor, profissão. Nesse momento, Kens são vistos como inúteis por apenas existirem. A profissão do Ken, por exemplo, é praia. Na medida em que a trama avança, Ken é exposto ao mundo patriarcal em que o trabalho é direcionado ao homem e, percebam, o dignifica. Ken então promove um golpe de classe, assumindo as eleições e colocando as Barbies em uma posição de serviço e trabalho doméstico (que é tão trabalhoso quanto). O mundo da Barbie então se torna uma Utopia (não tão hiperbólica) do patriarcado (que é mais próximo do real do que deveria ser).

Agora, a solução da Barbie é organizar e tomar o poder! Elas então promovem uma organização de classe e tomam as eleições revertendo a situação.

Perceba que o sistema que criou o universo do Ken foi o mesmo que criou o da Barbie. A solução da Barbie para uma luta de classe não foi de mudar o sistema, foi de conciliar as classes e manter a democracia que elegerá sempre quem está no poder (felizmente a Barbie no fim do filme).

Agora, como isso poderia ser diferente? O mundo da Barbie emula a estrutura do mundo real com exceção do patriarcado, o erro aqui está, porém, em não associar esses dois. O patriarcado e a opressão no trabalho são diretamente associados à democracia burguesa do cenário atual da maioria do mundo.

Seria pedir demais uma mudança completa no sistema da Barbie? Claro! É ainda um filme de Hollywood e por mais que a mensagem seja revolucionária e importante, é ainda higienizada. Precisa vender, ainda é um produto capital.

Então, por mais que a mensagem seja revolução, ela vem com forma, tamanho e cores de conformismo.

Assim foi Corponation.

Toda obra fala. Independente de intenção autoral, mensagens podem transbordar da obra pelos seus temas, personagens, histórias, cores, formas, texturas, sons, enfim. Em alguns casos, a obra prefere não tomar lado, e isso também é se posicionar, muitas vezes até acreditam ser o ideal não ter posicionamento, como é o caso de muitos documentários.

Acontece que, independente da tentativa de esvaziamento, a mensagem é sempre denunciada por uma força intrínseca a toda e qualquer obra de arte: o formato.

Desde o literal formato em que a arte é demonstrada, até o fundamental da obra em si. A forma é a lente pela qual toda obra é apresentada e vista, um posicionamento da câmera, um enquadramento, um tom de cor e, no caso de jogos, uma gameplay.

A forma é talvez o meio pelo qual escutamos o tema da obra e é tão importante quanto, se não ainda mais, para mim pelo menos.

Mas em Corponation, quando seu tema revolucionário se desmonta pelo final hesitante e sem consequências, sua forma é evidenciada sendo comercialmente higienizada.

Assim como tantas outras obras citadas anteriormente, Corponation escolhe mostrar apenas o lado monótono e alienado do trabalhador explorado, mas não oferece nenhuma solução e nem resposta que fuja do sistema, tanto em tema quanto em formato.

Afinal, se queremos demonstrar a opressão, angústia, medo e tensão de um trabalho precarizado, por que não utilizar o poder da mídia interativa e o formato de jogos?

Corponation poderia exigir uma urgência em sua gameplay, poderia fazer as contas serem opressoras e o trabalho ser exaustivo.

Em algum momento, percebi que não precisava fazer nada no trabalho e que ninguém estaria olhando minhas falhas ou minha revolta. Eventualmente, tive dinheiro suficiente para decidir não trabalhar durante o turno ou ignorar as ordens, o que, claro, não teve consequências reais. Exatamente como esperamos de um jogo comercialmente “gentil” com quem joga/compra. Afinal, se formos seguir o bom design de mercado, não podemos ser punitivos como o mercado de fato é, não é mesmo?

Os colegas de trabalho se tornam apenas ferramentas de design, porque não podemos deixar o player perder conteúdo, não é? Então garantimos que terá sempre um NPC te avisando sobre aquele item ou aquele evento.

E ao final, mesmo o jogo sugerindo que tudo tem que voltar a ser como era caso você não escolha a promoção, o jogo não vai apagar o save, afinal, isso seria ousadia demais, não é?

Ou pior, já que trabalhar pode ser difícil, vamos adicionar uma opção para aliviar a monotonia no trabalho, como se ele já não fosse piedoso o suficiente, afinal, o bom design exige modo de dificuldade.

São formatos de design extremamente pasteurizados e enlatados para o público geral e contrastam fortemente com qualquer mensagem revolucionária, mas casam perfeitamente com o que foi o final desse jogo.

Afinal, existem diversas formas de você fazer com que o jogo seja balanceado, ou que não seja tão punitivo, mas fazer a pessoa se sentir pressionada e, em muitos casos, é necessário sim quebrar o design, o game design também pode ser revolucionário e se seu jogo tem esses temas, ele precisa ser!

No fim de tudo, Corponation é contraditório em tema e em forma, sendo então um produto frustrado ainda preso pelas amarras do mercado, mesmo na tentativa de emancipação.

O ponto é que senti a necessidade de ser sujo em termos de design, o anti-design é uma ferramenta perfeita para o tema de revolução proletária.

Ainda assim, Corponation decide não utilizar disso. Eu imagino o quanto esse jogo talvez quisesse se livrar dos padrões, mas foi condicionado a não o fazer, seja por decisões criativas internas ou externas. De todo modo, a higiene de Corponation destrói sua vontade revolucionária, a falta de consequência entre uma não posição e ficar em cima do muro invalida muito das 6 horas de experiência.

De certa forma, Corponation está para jogos como Barbie está para o cinema, aprisionado em um modelo capital que impossibilita qualquer quebra de paradigma que parece ofensivo para a indústria. Não é a primeira vez que vejo isso em jogos, só que mais do que nunca, esperava que não fosse.