Monotonia

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In Monotonia, you take on the role of a worker with a simple mission: press a button to dodge resistances and generate as much energy as possible, without succumbing to resource scarcity, exhaustion, or insanity. How far will you be able to go?


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This review contains spoilers

Tive o privilégio de conhecer Monotonia desde sua primeira versão, quando o jogo estava para concorrer na One-button Jam. Já naquele tempo, eu havia gostado bastante das temáticas que o game tinha se proposto a trabalhar; não sem razão estava ansioso para experimentar essa nova versão da obra – especialmente considerando que a equipe de desenvolvedores não mais estava submetida ao aperto dos prazos de uma Jam.

Felizmente, não me decepcionei com o resultado final. Em um primeiro momento, saltam aos olhos as melhorias feitas em todas as instâncias do jogo e o esmero empregado pela equipe do GDH Studio em sua feitura.

Dito isso, do meu ponto de vista, o principal atrativo do game é a excelente articulação de suas partes em torno da mensagem da obra. Monotonia, nesse sentido, faz críticas duras, porém certeiras, ao modo de produção capitalista, retratando a realidade de um trabalhador precarizado cuja tarefa é a de produzir energia para uma grande empresa: a Human and Power. O jogo centra-se no fordismo como ponto de partida para elaborar sua crítica, a qual se enraíza, sobretudo, na categoria marxiana da alienação do trabalho.

É bom ressaltar que diversos jogos já incorporaram questionamentos desse tipo em suas narrativas. Em certo trecho de ‘What Remains of Edith Finch’, por exemplo, o jogador é colocado para acompanhar a sina do personagem Lewis Finch – que perpassa por um processo de profunda alienação – na medida em que é condenado a um trabalho repetitivo numa fábrica de conservas de peixe. Se ‘Edith Finch’ me parece uma das grandes inspirações de Monotonia, é também certo que o GDH Studio soube abordar e expandir o assunto à sua maneira, de modo a trabalhar mais profundamente a temática a partir de seus próprios méritos. O que quero dizer com isso é que Monotonia não se esgota em suas inspirações e consegue tratar seu objeto com originalidade.

Gostei muito, por exemplo, da forma como o jogo constrói metáforas de poder e faz contrastes interessantíssimos com elas. Existe, nesse contexto, uma ironia fina que é exposta principalmente a partir da língua inglesa. É que controlamos um trabalhador que produz energia elétrica – ‘power’, em inglês, que também significa ‘poder’ – ou seja, o jogo faz uma brincadeira semântica com a dualidade de sentidos que a palavra “power” contém no inglês, de modo a elaborar um comentário ácido sobre a situação vivida pelo personagem. Explicando melhor, ao mesmo tempo em que o trabalhador produz o “poder” com a força de seu trabalho, é despido dele por não ser detentor daquele meio de produção.

Tal contradição é tornada ainda mais evidente pela forma com que jogador é colocado para produzir energia elétrica, pois mal conseguimos pagar a própria conta de luz nas sessões de descanso, apesar de trabalharmos diretamente com a produção dessa energia. Monotonia, desse modo, retrata bem fielmente o processo de funcionamento de extração do mais-valor do trabalho, emulando bem as frustrações de todo trabalhador no dia a dia.

Por sinal, cabe dizer que as pausas de descanso entre os meses trabalhados foi uma das excelentes adições da versão Primeiro Contato. Fiquei, durante todo o gameplay, bastante ansioso para saber as notícias do jornal do dia – que ajudam na construção da diegese da obra – mas, também, curioso para receber as cartas misteriosas, sejam as da Human and Power, sejam as de nossos camaradas (estes que são um claro easter egg do jogo Un-battle Royale, do mesmo Studio).

Aliás, vai ser nessas sessões de descanso entre os meses que boa parte da narrativa do jogo irá se desenrolar. É bem satisfatório como Monotonia não se contenta em apresentar o problema, mas também propor soluções. Quando recebemos a primeira carta misteriosa de nossos camaradas, o jogo aduz abertamente que a organização da classe é a forma mais efetiva de lutar contra a exploração retratada. Daí caberá ao jogador abraçá-la ou não, escolha essa que irá afetar significativamente o final.

No que diz respeito à direção de arte, a primeira versão de Monotonia já apresentava uma proposta promissora em tal nicho, que foi agora melhor desenvolvida em Primeiro Contato.

Partindo de tropos muito conhecidos do terror, o jogador é posto em uma sala escura, com acesso apenas a um console frio e metalizado onde é desenvolvido o gameplay. Chama a atenção a maneira como o game faz uso do conceito de ‘ausência’ na construção de sua simbologia opressiva, relacionando-a com um elemento de desconforto que subjaz na disposição dos elementos da tela. Em outras palavras, tal desconforto advém da sensação de vazio representada, de modo visual, pelo fundo obscurecido. É como se aquele trabalhador fosse forçado a olhar para o abismo, que ocasionalmente acaba por encará-lo novamente por meio dos olhos raivosos que irrompem da escuridão. A ausência de poder e de futuro de toda uma classe de gentes é, portanto, muito bem traduzida esteticamente a partir do espaço vazio literal posto em tela. Essa representação é ainda mais competente se considerarmos que o desgosto de ser submetido a esse tipo trabalho combina perfeitamente com a paleta de cores lavadas escolhida para a obra – como se tudo perdesse o sabor, as cores, em Monotonia, também estão mortas (ou, melhor ainda, monótonas).

Falando um pouco da trilha sonora, penso que foi muito eficiente em passar uma sensação de apreensão. A trilha principal – WorkTime – juntamente com Hurry Up, esta tocada ao final, me deixaram com uma certa ansiedade e encaixaram-se de forma coerente com a mensagem do jogo. É certo que os diversos aspectos do game: de gameplay, trilha e direção de arte, realmente entregam uma experiência completa acerca do fordismo. Monotonia consegue passar, ao jogador, sentimentos muitos claros de desesperança e sofrimento, sentimentos estes que só são interrompidos temporariamente nos breves momentos de descanso entre as sessões, ao som da relaxante trilha Little Refuge tocada a partir de um radinho velho (isso quando conseguimos pagar a conta de energia, claro).

Para não dizer que tudo são flores, tive alguns bugs enquanto jogava Monotonia, todavia, em se tratando de um jogo curto, esses bugs não atrapalharam a minha experiência geral. E já no segundo dia de lançamento, inclusive, foi ao ar um patch que corrigia diversos dos problemas apresentados.

Sendo honesto, a minha maior questão de incômodo com o jogo foi, na verdade, o puzzle final. Acredito que a dificuldade dele era um pouco elevada demais. No meu primeiro gameplay, me frustrei por não conseguir resolvê-lo, mesmo depois de algumas horas tentando. Felizmente, essa questão já foi solucionada, na medida em que o GDH Studio, por meio de uma atualização, decidiu por torná-lo mais intuitivo (embora ainda seja desafiador, o que é bom!), de modo que consegui resolvê-lo na minha segunda tentativa.

Em suma, penso que Monotonia foi uma experiência, no geral, muito agradável e competente no que se propõe.

E, mais do que isso, uma experiência rara em certa medida.

Digo isso porque enxergo a obra como inserida em uma onda – tímida, porém existente – de jogos abertamente de esquerda e que não têm medo de se assumirem politicamente. Em uma indústria em que tropos direitistas historicamente dominam o ferramental do game design (e pior: sob os auspícios de uma falsa “neutralidade”), Monotonia é de um frescor ainda incomum e muito bem-vindo.

Enfim... joguem Monotonia! =D