Yakuza (ou Yakuza 1) pode ter sido o ponto de partida da franquia, mas foi na sua sequência que a base moderna da série se firmou. O tempo de desenvolvimento seria mais curto por natureza, tornando-se inviável modelar milhares de novos objetos e criar novos sistemas, então eles decidiram construir sobre a fundação do primeiro jogo em vez de montar uma nova do zero. Tendo essa liberdade para reutilizar o material do antecessor, mais tempo pode ser dedicado à refinação de cada aspecto dele. Dessa forma, a história tornou-se mais complexa, o combate ficou mais fluído e o conteúdo secundário, mais variado, criando uma experiência mais divertida, diferente e intrigante, para não dizer melhor.

É complicado afirmar que Yakuza 2 é uma "sequência perfeita", pois ele serve principalmente como um remix: a proposta é praticamente a mesma, só que algumas partes são modificadas para encaixarem-se melhor. Yakuza 2 não é inovação, mas sim refinamento. Agora, a história tem muito mais personagens e conspirações mais perigosas, mas vários dos pontos continuam similares: Rivalidade entre o Clã Tojo e a Aliança Omi; Núcleos separatistas dentro desses grupos maiores; Muitos personagens do primeiro jogo voltam a participar; A dinâmica entre o protagonista e uma personagem feminina que o acompanha; A dinâmica entre o protagonista e o antagonista, que busca nas suas tramas superar o Dragão de Dojima e tornar-se o comandante do grupo yakuza do qual faz parte; Os líderes verdadeiros das conspirações sendo revelados nos últimos capítulos; Viagens entre Kamurocho e Sotenbori, etc.
Os elementos similares são numerosos, mas não importa tanto, pois as grandes diferenças narrativas entre o primeiro e o segundo jogo estão na execução. A história principal acontece um ano após os eventos de Yakuza 1 e explora as consequências das ações de Kiryu na máfia japonesa. Os conflitos daquele game resultaram em uma grande desestabilização dentro do Clã Tojo, que está cada dia mais próximo de um colapso, enquanto a Aliança Omi começa a reunir forças para invadir Kamurocho e exterminar seus rivais. Cada personagem sofreu alguma mudança durante o intervalo de um ano entre jogos, Kiryu, por exemplo, tenta viver como um pai adotivo longe da sua vida de yakuza, mas volta ao centro das atenções devido a um chamado do líder de seu antigo Clã.
Essas pequenas mudanças também são refletidas nas situações mais mundanas. Lugares como o Bacchus e o bar Serena mudaram consideravelmente, o purgatório passou a ser uma obra e não há tantos yakuza na rua. Falando em rua, passar por pessoas conversando ainda faz com que pequenas caixas de diálogo apareçam na tela, um fragmento das falas que o protagonista pode identificar enquanto passeava. Às vezes, alguém falou "ei, eu já vi esse cara na tv antes!" ou "nossa, faz um ano já que choveu dinheiro da Millenium Tower", referenciando os eventos do primeiro jogo de maneira natural. Esses trechos de conversas falam de outras coisas também, óbvio, Kiryu pode ser o protagonista do jogo, mas não é a única pessoa do mundo. Esses excertos, que variam bastante em tom e tema, são uma ferramenta que ajuda a dar a sensação de um mundo vivo.

O papel do conteúdo secundário no worldbuilding é ainda mais importante em Yakuza 2, e foi o passo inicial para as famosas subhistórias malucas dos jogos modernos da série. Buscando criar algo espiritualmente similar às missões de Yakuza 1 sem reutilizar o conceito de "pessoa quer roubar o dinheiro de Kiryu" mais 40 vezes, os pequenos enredos foram mais desenvolvidos, alguns se estenderam por vários capítulos e sua gameplay passou a ser mais variada. Missões que se resumem a uma única briga ainda existem, mas são menos no total e andam lado a lado com as mais absurdas e diferentes. A normalidade de grande parte do jogo permite que o humor tenha um impacto ainda maior e atribui ao mundo do jogo personagens mais interessantes, engraçados e plausíveis.
Claro, isso não é novidade para qualquer um que conhece a franquia Yakuza, pois jogos como Yakuza 0, Yakuza Like a Dragon e JUDGMENT são lotados de conteúdo secundário feito para ser hilário que contrasta com a história dramática e séria. A questão não só é que Yakuza 2 foi lançado 15 anos atrás e já tinha essas características (ou propostas inteiras de missões que foram reutilizadas nas suas sequências), mas também que não exagera na dose de zoeira. Cada história opcional fala um pouco mais sobre a vida em Tóquio ou Osaka, até mesmo as situações mais absurdas ainda são acreditáveis e mostram a diversidade de pessoas que vivem lá ao invés de retratar um indivíduo "wacky" que não tem nada a ver com o resto do mundo. Yakuza: Like a Dragon especialmente sofre com esse problema, já que muitas das subhistórias só mostram algo engraçadinho e "maluco" pra conseguir uma reação do jogador. As pessoas que habitam Isezaki Ijincho são uma coleção de piadas pouco conectadas, e não peças em um universo vivo. Isso não é para dizer que todo o conteúdo opcional de Yakuza: LaD é ruim, algumas das pequenas narrativas realmente buscam dizer algo a mais, mas estão colocadas no meio de muito non-sense. As missões mais numerosas e variadas de Yakuza 2 também ajudam a povoar os mapas de Kamurocho e Sotenbori, que são preenchidos de mais colecionáveis e interações com personagens, resolvendo o problema da falta de incentivo à exploração que assombrava o primeiro Yakuza.

O aspecto de Yakuza que passou pela maior transformação na sua sequência certamente foi o combate, melhorado em quase todos os aspectos. A velocidade de movimento padrão sendo aumentada e a câmera podendo ser controlada já seriam melhorias significativas, mas os desenvolvedores foram mais longe. Desde o começo de Yakuza 2 já estão liberadas várias das habilidades que precisavam ser desbloqueadas no seu antecessor, a mais importante sendo a capacidade de redirecionar-se no meio de um combo, o que torna lutas contra grupos mil vezes mais divertidas no começo do jogo. Agora, os ataques e os bônus que podem ser liberados são mais diversos, permitindo uma variedade e estratégia maiores na gameplay, que não se resume mais a ficar fazendo o mesmo combo toda hora para causar dano.
O design dos inimigos e dos encontros também melhorou significativamente, com destaque para os chefes. Como eu disse antes, em Yakuza 1, é muito fácil completamente dominar um boss, visto que eles não usam direito a capacidade de desviar dos seus ataques (exceto Majima) e facilmente são atordoados por golpes contínuos. É por isso que as lutas geralmente incluem chefes empunhando armas ou são acompanhadas por uma série de inimigos mais fracos, só para dar alguma chance aos antagonistas. Yakuza 2 traz mais brigas de qualidade como Nishiki ou Majima: chefes rápidos e com múltiplas fases, que possuem ataques que requerem precisão do jogador para desviar, mais resistentes a atordoamentos e que constantemente tentam contra-atacar.
A gameplay melhor consegue tornar as lutas contra inimigos mais fáceis, mas o design das lutas contra os vilões é excelente, conseguindo traduzir perfeitamente a imponência e o poder retratados nas cutscenes para a gameplay, especialmente durante as batalhas finais do último capítulo, o ápice das brigas do game. A única adição que eu critico é a utilização excessiva de quick-time events, muitas vezes rápidos demais para qualquer reação natural de um jogador que não o esperava. Essa decisão não ajuda em nada, porém, o que mais decepciona é o que não foi corrigido do primeiro pro segundo jogo: o poder desproporcional das armas e dos itens de cura.
Poder pausar o jogo e imediatamente curar todos os seus pontos de vida porque você decidiu gastar um pouco de dinheiro enchendo seu inventário de itens de cura é estúpido e destrói qualquer senso de urgência ou tensão que o combate poderia trazer. Ao mesmo tempo, as armas elas são extremamente eficientes, e sua durabilidade nem importa muito porque você vai estar constantemente encontrando elas nos armários de Kamurocho e Sotenbori ou, no máximo, comprando-as no mercado negro. Pelo fato de que eu gosto de diversão, eu me recusei a usar esses itens durante a minha jogatina, o que proporcionou uma experiência muito melhor, por mais que eu morresse algumas vezes nos chefes.

No geral, Yakuza 2 é um jogo com um período de produção difícil e rápido, que não reinventou a fórmula do seu antecessor, mas sim corrigiu os elementos que mais abertamente afetavam sua qualidade. O resultado foi provavelmente o melhor que poderia ter sido, e é realmente especial e divertido. Certamente não é a "sequência perfeita", mas é um passo importante em para o desenvolvimento da sua franquia.
É fascinante ver como várias ideias das suas sequências, boas e ruins, estão presentes aqui, em um jogo de 15 anos atrás: missões secundárias que abraçam o humor e o absurdo, mais atividades para passar o tempo, mudanças incrementais ao invés de grandes inovações, dublagem em japonês e legendas em inglês, personagens que conseguem planejar cada detalhe minúsculo de um plano no qual eles não se envolvem, entre outras. É um RPG extremamente sólido, que não deve ser ignorado apenas pela existência de um remake moderno que ignora grande parte do seu apelo como um título para o PlayStation 2.

Reviewed on Feb 10, 2022


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