Quanto mais eu tento atingir o esclarecimento, mais longe dele pareço ficar.

O site howlongtobeat.com descreve o tempo médio para ir do início ao fim de ZeroRanger como 4 horas e 45 minutos, eu já passei mais de 12 horas jogando este jogo e, dependendo da definição que se tem de "final", terminei-o três vezes ou nenhuma vez.

ZeroRanger se disfarça de um jogo STG simples, mas por trás dessa máscara temos uma experiência genuinamente bela. Inimigos avançam sobre a nave protagonista por todos os lados, cada um com seus padrões de movimento, vida e ataques a serem reconhecidos e internalizados pelo jogador até que toda a movimentação se torne uma questão de memória muscular. Os momentos mais intensos são uma verdadeira dança, necessitando de um controle perfeito sobre a nave e o conhecimento sobre quais projéteis é possível desviar ou destruir. Ficar apertando o botão de atirar a toda hora pode parecer uma estratégia efetiva, mas os inimigos surgem de posições tão distintas e atacam de maneira tão esporádica que é necessária a constante utilização de todo o seu arsenal. Cada fase é estruturada perfeitamente para o melhor uso das ferramentas à disposição do jogador. O melhor exemplo sendo a fase 2 e 2’, cheias de inimigos posicionados de forma que só é possível atacá-los com algum dos poderes desbloqueados na fase anterior.
Toda a experiência também é elevada a outro nível com os visuais claros e a trilha sonora espetacular, mas a real conquista de ZeroRanger é trazer uma narrativa de qualidade para um gênero geralmente só focado na gameplay. A página da Steam, a introdução e todos os outros textos do jogo buscam comunicar a ideia de que este jogo é sobre ambição, sobre superação, ou, empregando a terminologia religiosa, a iluminação. Os STG são conhecidos pela dificuldade “pura” no sentido de testar constantemente o conhecimento e a reação dos jogadores, com hitboxes perfeitas para acompanhar, garantindo que apenas os melhores irão continuar. ZeroRanger usa dessa dificuldade para enriquecer a história, retratando o constante ciclo de vida e morte do qual o jogador faz parte, morrendo e tentando de novo, buscando superar o obstáculo que o impediu. A mecânica de continues é introduzida nessa história de um jeito sobre o qual tenho alguns conflitos: ao morrer, você recebe uma pontuação, e quando se passa de uma pontuação total (de todas as suas jogatinas), mais um continue é desbloqueado. Conforme o jogador vai ganhando mais chances de erro, o jogo se torna mais fácil, sem necessariamente um aumento na dificuldade dos níveis para compensar. A curva de dificuldade não é só diminuída porque o jogador tem conhecimento das mecânicas, mas também porque o jogo deixa tudo mais fácil (claro, isso não conta muito para o chefe final de verdade).
Acredito que toda a maneira interessante de lidar com a história culmina na sequência final, que é justamente o porquê de eu ter zerado o jogo três vezes e nenhuma vez, simultaneamente.
SPOILERS:
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Após terminar o boss rush na fase 4, o protagonista é enviado de volta para a primeira fase, iniciando a segunda metade do jogo, composta de remixes das 3 primeiras fases que representam os efeitos da invasão alien e um boss final. Após derrotar Green Orange, a última ameaça, nossa nave é destruída e vemos que tudo foi em vão, o planeta foi destruído. Nós somos apenas uma nave contra hordas de inimigos, o jogo já disse múltiplas vezes que nossas chances de vitória sempre foram zero, mas chega um ultimato: podemos usar nosso poder restante para voltar no tempo e impedir tudo ou aceitar nosso fim. Como o jogo é sobre perseverança, obviamente escolhi voltar no tempo pela mínima chance de resgatar tudo, não seria eu aquele que desistiria depois de tanto esforço (falácia do custo afundado). Ao morrer e ver que tudo realmente reiniciou do zero, incluindo meu save, eu fiquei chocado, mas não fiquei com raiva, pois se encaixa perfeitamente na proposta do jogo. A questão é que, depois desse vexame, eu tentei outras duas vezes, nas duas morrendo na última fase do “verdadeiro chefe final”, reiniciando meu jogo do zero. Pelo menos por enquanto, não tentarei uma quarta, mas ter que desistir de algo tão bom porque tinha outras responsabilidades e pelo cansaço que dá zerar o mesmo game 4 vezes é com certeza um final amargo para uma obra que tão claramente trata de perseverança, de iluminação e de não desistir.
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FIM DOS SPOILERS:
ZeroRanger é um dos meus jogos favoritos que joguei em tempos recentes, a forma como une narrativa e gameplay é especial, criando uma obra que é muito mais que a soma das suas partes. Uma pena eu não poder ter aproveitado ela completamente.

Reviewed on Mar 30, 2022


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