Yume Nikki sempre me impressionou com o modo pelo qual articula o seu terror. Uma vez Keiichiro Toyama comentou sobre Silent Hill: “a parte mais assustadora de Silent Hill é o medo criado pelo próprio jogador”. O horror de Yume Nikki segue uma linha bem similar ao que o Keiichiro disse. Por meio do recorrente uso dos espaços, Yume Nikki não só constrói representações da psyché da Madotsuki – articulando dessa maneira toda uma trama acerca das razões que levaram a protagonista a se isolar -, como também faz criar um sentimento de desconforto ao jogador, uma espécie de horror interno que flerta constantemente com a ansiedade, mesmo que nada realmente vá acontecer. A parte mais interessante, porém, é a dicotomia de sensações que por vezes Yume Nikki elabora. Da tranquilidade ao medo, e da tensão ao conforto, Yume Nikki torna-se, para além de uma obra interpretativa, uma experiência sensorial; você não precisa compreender, e tampouco interpretar, toda a história para degustar Yume Nikki, pois é uma obra que vai mais além disso. Essa sutileza de Yume Nikki é o que a torna como uma obra peculiar dentre as diversas obras de horror, e que sem dúvidas foi o principal gatilho para uma gama de inspirações, como Dotflow por exemplo.

Dotflow é um jogo agressivo. Diferente de Yume Nikki que para além do horror há também essas pequenas sensações dicotômicas entre si, dotflow simplesmente está pouco se fodendo para a sutileza. A minha citação inicial teve um outro propósito para além de invocar uma filosofia de horror, foi também com o propósito de invocar Silent Hill. Caso nunca tenha jogado Silent Hill (o qual recomendo pra caralho jogar), saiba que é uma obra extremamente agressiva. Constantemente nos vemos fugindo e enfrentando monstros atrozes em meio aos corredores claustrofóbicos, retratado por vezes como grotescos e decadentes, imersos aos sons pesados e metálicos de uma trilha hostil. Silent Hill é agressivo por essência, principalmente o que me faz amar tanto o terceiro jogo é a brutalidade que há em seu mundo. Dotflow pega pra caralho esse grotesco, essa agressividade, e cria uma experiência visceral e brutal. Há sim momentos de paz, mas para logo em seguida serem substituídos por espaços ensanguentados. Disso cria-se uma sensação de horror, ou melhor, uma sensação de pânico única. Você quer sair dali, porém precisa continuar Em Dotflow não há espaços para a sutileza.

A trama de Dotflow, do mesmo modo que Yume Nikki, é fragmentada. Porém, mesmo que você não consiga conectar nada, e tampouco extrair algo dos espaços, uma coisa é perceptível: o universo de Dotflow é brutal. Disso cria-se uma série de interpretações que podem a vir lidar com questões bem delicadas, e até mesmo à questões éticas e morais.

Partindo agora de mim, eu amei a agressividade de Dotflow. Como mencionado antes, o meu Silent Hill favorito é o 3 devido a brutalidade que há em seu universo (também há outros fatores, mas o principal é esse). Dotflow conseguiu criar em mim sentimento de pânico que eu não sentia faz tempo com um jogo. É meio engraçado falar, e talvez até meio paradoxal, mas eu amei cada segundo de pânico que eu tive com esse jogo. Eu queria sair? Sim; Eu queria continuar? Sim. É por esse choque pelo qual amo jogos de terror; adoro jogos como Resident Evil que me tornam vulnerável apenas para criar uma tensão.

Apesar disso, Dotflow cai em uma armadilha dos modelos de design de Yume Nikki: a desorientação. Claro, a desorientação é um aspecto essencial para a experiência. Entretanto, com o passar do tempo, a medida que o jogador vai adquirindo novos efeitos, vai surgindo uma necessidade de usar algum guia apenas para conseguir achar um determinado efeito, ou para fazer um evento em particular. Na medida que o jogador vai se aprofundando no guia, os espaços perdem o seu encanto atroz, e tornam-se apenas... espaços. Terror é uma ilusão, sabe? Sabe o Resident Evil que mencionei? Então, basta decorar todos os eventos e todas as localizações de itens que Boom!!!! O terror simplesmente some. Terror no final das contas é algo frágil, que pode ser destruído com pequenas atitudes, como por exemplo usar um guia. Dotflow perde facilmente essa agressividade, não por ser um jogo fraco, mas pelo o que eu disse antes, terror é frágil, qualquer merda pode acabar com a experiência. E infelizmente essa merda aconteceu comigo. Mesmo sendo uma experiência inicial SENSACIONAL, Dotflow foi aos poucos morrendo para mim a medida que fui necessitando de um guia. Claro, isso tudo o que aconteceu é relativo comigo, mas é algo que sem dúvidas já aconteceu com outras pessoas. É algo um tanto quanto triste, porém natural de um modelo provindo de Yume Nikki. Todavia, não só ainda guardo com carinho esses momentos iniciais com Dorflow, como ainda o respeito como uma obra de terror.

Em síntese, Dotflow é uma obra de terror fantástica que infelizmente sofre de alguns problemas do modelo Yume Nikki. Concluindo: meu cu trancou, mas foi se abrindo ao longo do tempo.

7/10

Reviewed on Jun 26, 2022


1 Comment


1 year ago

isso aconteceu com meu amigo random plays