"But then there was fire... and with fire came disparity. Heat and cold, life and death, and of course, light and dark."

A tempos tenho interesse em Dark Souls por suas características mais comentadas, seu visual, sua música, e claro, sua aclamada gameplay e "dificuldade", e após terminar o primeiro jogo e ter uma experiência tão única, quis me esforçar um pouco para escrever sobre ele e seus maiores destaques.

Dark Souls opta por uma narrativa fora da linearidade, apenas tendo a cutscene inicial, que conta do nascimento da era atual, e te jogando no mundo de Lordran. E apesar de não haver uma história contada de maneira direta, todas as características do jogo culminam para uma experiência narrativa, a sua aventura por aquele mundo sendo devastado, as pessoas que estão sobrevivendo àquele horror, a interação com NPCS, a descrição de itens conquistados, tudo resulta em algo contado, e que torna aquilo muito vivo. Quests que você faz que te levam a descobrir mais sobre tal personagem e sua história, que por consequência te mostram mais do mundo, e que caso feitas em momentos diferentes, ou situações diferentes, resultam em finais diferentes, todas tem muitas camadas e possibilidades, situações que você vê no começo, e ao passar por áreas e retornar depois, haverem diferenças. Gosto como vários personagens esboçam suas opiniões em relação a maldição, a chama e qual deve ser seu futuro, assim fazendo com que o jogador também chegue a sua conclusão sobre todos esses temas; temas esses que tem ideias bem criativas, eu gosto muito do significado metafórico do fogo e de sua criação, e detalhes pequenos, como por exemplo a recriação falha da chama ser a lava. Voltando a narrativa, o jogo é muito contrário de expositivo, ele não te fala, ele te mostra, de maneira indireta, minuciosamente, nos detalhes de cada expressão visual que ele possa te passar. E acho interessante que esse caminho de ambiguidade na narração vem da experiência do Miyazaki ao ler historias medievais quando criança, pois ele não sabia inglês, então entendia uma parte e imaginava e teorizava o resto, similar a experiência do jogador em Dark Souls.

E como toda essa narrativa é mais "mostrada" do que "contada", é muito importante que o jogo entregue o necessário visualmente, e obviamente, o jogo consegue com maestria. A estética "Dark Fantasy", que como o próprio Miyazaki já revelou, é muito inspirada de "Berserk" do Kentaro Miura, combina tão bem com a temática proposta, desse devastamento pelo iminente apagar da chama e nascimento da maldição; seu design misturando o tenebroso e o heroico, com castelos e magias. Os cenários são bem diversificados, lugares com diferentes cores e propostas ambientais, com características fortes predominantes, vivos e mortos, coloridos e monocromáticos, unicos em criação. E vale o destaque para quanto os cenários e monstros desse jogo conversam com a lore; o conceito dos opostos no Smough and Ornstein (além do detalhe interessantíssimo de haverem dois elevadores na area deles, um menor e um maior, para cada um); a situação do Gwyn após tudo que ele passou, exposto fortemente pelo visual da área, além do trabalho magnifico musical; ou até coisas mais minuciosas, como a ausência de uma estatua em Anor Londo; entre muitos outros que expressam diferentes sentimentos pelo design. E não digo unicamente em cenários, mas também dou destaque para os equipamentos, onde até foi criado o termo "fashionsouls", todos fortemente dentro dessa temática, dando ao jogador uma escolha legal para o visual. Acho que meu único problema para o visual geral é o quão feio o personagem undead é, que apesar de tematicamente ser incrível, não muda que visualmente o deixa feio pra caralho.

A montagem do mundo é magnifica, desde como liga o visual ao level design, afinal, é um grande desafio, como por exemplo Blighttown, é uma grande loucura de ideias, pontes de madeira se entortando a ponto em que se criem caminhos, as ideias são boas e ousadas, mas é ainda mais impressionante a execução ser excelente. É uma das maiores qualidades do jogo de como tudo se liga perfeitamente, é até questionado por alguns o porque desse jogo não ter mapa como metroidvanias ou outros jogos que exigem backtracking, e a razão é clara... é porque o jogo tem um mapa tão coeso e tão bem montado a ponto de que não é necessário um mapa, a identificação unicamente pelo seu caminho e atalhos já é perfeita, e atalhos esses que diga-se de passagem, são muito bem colocados, já que por muito tempo do jogo você não tem fast travel, é necessário andar quando necessário backtracking, e nessas ocasiões, a sensação de abrir um atalho que cruza perfeitamente toda a parte que você demorou horas para passar é surreal, o maior destaque disso é o elevador da igreja. Reforçando meu ponto sobre como o jogo te ensina de maneira orgânica, eu gosto de como ele te mostra coisas simples com o level design, por exemplo, o Taurus Demon que aparece em uma ponte, mas que quando você começa a seguir reto, percebe que tem arqueiros em uma torre atrás da porta que você veio, que servem para te fazer ir lá mata-los e perceber o quão útil aquela torre pode ser para a luta, sutilmente te ajudando, e há inúmeros outros casos com isso. Aproveitando no comentário sobre lugares, eu preciso comentar sobre meu lugar favorito do jogo, Anor Londo, que não só é o lugar mais bonito do jogo, como também é cercado por um conceito muito interessante em tudo que é grandioso a sua volta.

Como dito no caso do Taurus Demon, preciso dar um destaque para o quão a montagem "base" inteira desse jogo é inteligente, comentando de seus recursos e dando de exemplo o tutorial do jogo, o Undead Asylum. Primeiramente, mecanicamente, acho a existência do Estus algo tão simples e tão bem pensado, um recurso de cura que reseta a cada bonfire, o tradicional checkpoint, o jogo quer te fazer ser cauteloso e aprender com o mesmo, e o Estus está lá para uma quase "correção pelos seus erros", onde a jornada até a próxima bonfire se torna cautelosa para que aprenda os padrões, e caso cometa erros e queira voltar a bonfire, recai ao ônus da mesma, o respawn dos inimigos; é algo tão interessante, uma forma de evolução na própria gameplay, junto ao pensamento de como e quando usar e seguir caminhos, além de ser o maior exemplo de como esse jogo funciona, a existência desse item define a experiência de Dark Souls... e tudo isso introduzido no Asylum, que executa o tutorial de maneira orgânica, não por pausas com balões de fala sobre cada mecânica, mas te colocando o desafio e o objetivo de maneira coesas com o cenário... exemplificando, no Asylum há um corredor com um arqueiro no final, e um escudo parado em seu começo, esperando o raciocínio do jogador para passar tal desafio. O resto do Asylum segue a mesma margem, um inimigo com ataques lentos e simples para se aprender mecânicas de combate básicas, como parry e backstab; Uma pedra que cai ao subir uma escada, que mostram que se deve ficar atento ao cenário, não unicamente pelas pegadinhas do Miyazaki, mas pelas interações causadas por tais, como a parede se quebrar pela pedra; E o desafio básico, o boss da área, que além de ter um detalhe inteligente de cenário onde você pode avistar a sala que irá enfrentá-lo logo do começo, também te ensina o básico, roll para desviar, controle de stamina, ataque caindo, e outras mecânicas... É engraçado que você só repara que isso é um tutorial ao realmente terminar, o jogo apenas lhe apresentou as mecânicas, uma base conflitante, e lhe deixou a mercê para realizá-la. O próprio Miyazaki diz que quer que o jogador desbrave o jogo com sua criatividade, derrotando os inimigos e chefes da maneira que mais lhe for cabível, e incrível como o tutorial emana isso tão bem, um grande resumo de o que será sua experiência. O tanto que escrevi apenas sobre o tutorial e suas mecânicas básicas, imagina se eu escrevesse sobre cada área do jogo...

Uma das grandes discussões dos jogos da FromSoftware é a dificuldade, com seu pico no lançamento desse primeiro Dark Souls, comparações na internet e exageros a quanto sua gameplay, além de criar uma imagem muito desvinculada de o que realmente é a franquia. Os maiores motivos sendo, primeiro, a Bandai, que influenciou tal ideia em muitos quesitos de marketing, como uma capa diferente da proposta pela From (sendo a original japonesa uma que passa melhor sua identidade), achievements como "isso é Dark Souls" ao morrer pela primeira vez, uma versão chamada "Prepare to Die", entre outros motivos comentados pela internet, e segundo, é claro, a própria popularização do povo após tal ideia presente. Claro, os jogos tem um certo nível de dificuldade, o qual eu optaria até de chamar de "punitivo", por achar que define melhor, mas no geral, Dark souls é uma experiencia justa, geralmente complicada por psicológico, resultando em afobamento, ele é um jogo a ser jogado com paciência, é desafiador, mas também muito recompensador, ao se dominar suas mecânicas e se aprender os padrões, se torna simples, onde na minha gameplay, na maioria das vezes em que morri, eu unicamente pensava "caralho, eu sou imbecil", sabendo do meu erro. Claramente há exceções, o maior destaque sendo problemas de colisão em certos hits.
Aproveitando tal discussão, é um bom momento para comentar um dos maiores destaques da saga Souls, as boss battles. Após ter destrinchado tanto as qualidades desse jogo, não consigo apenas não concluir como sendo uma execução ótima de todas as características citadas, em combate, a necessidade da paciência para atacar a aprender os padrões, a lore em volta de cada um, a ost magnifica que os cerca, e o sentimento de realização ao completá-la. Como meu objetivo é comentar sem spoilers, irei me abster de comentar de lore e apenas falar sobre minha experiência em si, o boss que mais tive dificuldade foi sem duvidas Ornstein and Smough, e o que considero a melhor batalha do jogo é obviamente, a do Artorias. Sif, Manus, Kalameet, Four Kings, Priscilla e outros são bem marcantes para mim também. E preciso comentar da pior luta do jogo, a do Seath, que apesar de ser um personagem interessante em todos os outros quesitos técnicos, a sua luta é horrível, desbalanceada no tempo de curse e na impossibilidade de esquivar de certas skills que cercam tanta área em um lugar que, apesar de grande, se torna apertado ao lado de uma figura tão enorme, além do caminho da bonfire até a bossfight ser enorme. Assim como citada, a música desse jogo é excelente, complementa a temática, com essa vibe de canto gregoriano épico, funciona muito bem para todas as situações aplicadas, desde euforias em boss fights até a momentos calmos, como Firelink Shrine.
Como o jogo é classificado como um JRPG, assim como tal ele tem sistema de level, grinding, builds e liberdades na gameplay que possibilitam um imenso número de variedades, tornando o replay value altíssimo. É simplesmente mágico comentar sobre cada experiência com amigos, como cada um jogou de forma única, ver pessoas fazendo builds diferentes, desafios, o qual tudo era um objetivo do Miyazaki, você sofrer em uma bossfight, mas outra pessoa passar com facilidade pois joga de maneira diferente, explorar a criatividade e a liberdade da gameplay para tornar uma experiência diversificada para cada um.
Dark Souls não é sobre dificuldade, mas sim como usar o desafio como uma forma de entregar emoções especificas e fortes ao jogador. A dor não define a experiência, e sim o aprendizado e a realização ao passar por tal desafio.

Uma experiência única em todos os quesitos técnicos, o jogo que apesar de uma gameplay "simples", tem uma execução tão minuciosamente bem feita que se torna um dos melhores jogos que já joguei... Obrigado, Dark Souls.

Reviewed on Feb 08, 2023


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