Reviews from

in the past


eu ainda não entendi o que eu joguei sinceramente

Fatale te coloca na posição de João Batista, o mesmo personagem da Bíblia, que teve a cabeça decapitada e entregue em uma bandeja de prata a mando de Salomé, interesse amoroso de Herodes.

Após uma dança que, segundo as escrituras impele a desenvoltura de Herodes a fazer qualquer coisa que Salomé pedisse, sua mãe, Herodias, por conta de um ódio mortal por João Batista, sugere que a filha peça a cabeça do profeta para o rei.

Numa perspectiva nua e crua, sem entrar no (de)mérito das minhas ações, a obra me fez lembrar de todas as vezes que sacrifiquei meus interesses, coisas que eu amava, inclusive amizades que eu considerava importantes por causa de relacionamentos que eu acreditava que de alguma forma preencheriam um vazio específico no meu coração.

Me lembrei das vezes que entreguei amores intrínsecos em uma bandeja de prata, a quem pediu renúncia de partes de mim.

Ao interagirmos através da ótica de João Batista, banhada pelo desespero, e de frente à morte iminente, é possível sentirmos como é ser sacrificado em prol do benefício de outra pessoa.

Mas a anestesia de um corpo quente não é o suficiente para diminuir a dor do que arrancamos com as próprias mãos. Essa dor sempre será uma escuridão insistente, apagando as luzes à nossa volta, enquanto sussurra a culpa dos nossos atos em nossos ouvidos.

O arquétipo da femme fatale, além de tudo, é retratado com uma maestria gráfica, crua, literalmente nua e explícita, e as pequenas deixas que o jogo entrega de que se trata de uma passagem bíblica correlata com o pós-modernismo é gratificante, indo contra uma das principais características do estúdio que é: não contar uma história, mas sim dar elementos para que pessoas capturem histórias pessoais e subjetivas através delas.

Por ser uma abordagem que ainda me causa um certo tipo de desconforto, acredito que 3,5/5 é uma nota digna da minha experiência com Fatale, mas para quem gosta de ancorar as próprias experiências através de uma visão artística hiper-abrangente, o jogo é um prato cheio!

Fatale does more to videogames as an art form than almost anything available.
A peek at what the interactive medium could have been.

imagine being stuck in the 90s

Eu tinha acabado de sair da sessão de terapia em que falava sobre "medo".

Eu nao sou bom com jogos de terror, na verdade, hoje mesmo me vi fisicamente incapaz de jogar Devotion, um jogo de terror tido como "nao tao pesado". Mas que para mim foi, sempre é.

Falei para a terapeuta que queria mudar isso, esse medo da morte que surgiu de repente acompanhado de um medo de mudança, de incertezas e de perseguição.

Minha resposta sempre foi fugir. Da mesma forma que não consegui terminar Silent hill, eu fugi. Em dark wood, em I am Scared e Devotion, eu fugi.

Assim que saí da sessao, comecei Fatale e esse jogo nao me deixou fugir.

Entrei Sem saber o que esperar e me deparei com um momento daqueles que Tale of Tales consegue alcançar. Mesmo nao sendo um jogo propriamente de terror, me deixou aterrorizado em lidar com a morte.

Depois de tentar fugir, me vi sem saída e me rendi ao fim com uma cena sinestesicamente brutal e gloriosa.

Em nenhum jogo eu senti a morte como em Fatale.

E depois de nao fugir e aceitar seja lá o que for, vem um processo de busca, entendimento e, eventualmente, paz. Mesmo que aqui seja uma paz pertubadora.

Um jogo inteligente e com a alma do estúdio que mostrou, mais uma vez, o poder da mìdia interativa e de algo simples e tão comum como "morrer" em um jogo.