Após ser injustamente condenado por um crime, um jovem sem nome se muda para uma nova escola, e lá faz novos amigos, ganha o poder de adentrar no Metaverso (o reino dos desejos das pessoas), ganha um gato falante, ganha um arqui-inimigo, muda a vida de todos ao seu redor, combate a maldade no coração dos adultos, e no fim salva o mundo(?) após mais de 100 horas de jogo, em resumo, tudo dentro do padrão esperado de um JRPG.

Obviamente esse resumo acima é simplista, e com um viés, a realidade é que temos muito jogo aqui, são mais de 100 horas de campanha, e estamos falando da pura main story, sem side quests, sem colecionáveis. A principal característica é que estamos falando de um jogo com muitos pontos altos, mas devido a sua duração, esses pontos se repetem e se repetem e se repetem, e por fim, perdem todo seu brilho e se tornam medíocres.

O elemento mais importante no jogo para mim é a clara influência do David Lynch, tanto no roteiro quando em tom. Como ver o Velvet Room e não pensar imediatamente no Red Room? Cada palácio nascido dos desejos dos adultos é uma grande metáfora para quem eles realmente são, (e infelizmente essas metáforas são explicadas nos seus menores detalhes, tirando do jogador a possibilidade de tirar suas próprias conclusões, mesmo assim merece méritos por trazer essa conversa interessante para os jogos), o tom do jogo nesses momentos é piegas, acreditando sinceramente no poder do coração. Veja por exemplo a questão das armas, armas de brinquedo que no mundo dos desejos se tornam de verdade, “se eles acreditam, é verdade” o jogo profere. Ao roubar o tesouro dos inimigos, você rouba seus desejos sórdidos ocultos. O interior manipulando o exterior, conceitos estranhos que carregam verdades simples e cafonas, tudo isso é Lynch.

Conforme o decorrer do jogo novos personagens vão entrando (amigos, inimigos, pessoas de interesse), ocorrendo essencialmente a cada mês, ou seja: todo mês terá um vilão novo e um novo membro para o time. A qualidade varia, e pode ser argumentado que o primeiro mês do jogo é seu ápice. Todo vilão possui seu próprio palácio, seu próprio tesouro (a fonte dos seus desejos, “Rosebud”), sua própria trilha sonora, datas para completação, boss fight, em resumo, é uma estrutura clara, e que também se repete até o fim do jogo. De novo, repetição é a palavra-chave em Persona 5.

Jogo longo, muita coisa para escrever, então aqui vai um breve compilado dos maiores positivos:

- A trilha sonora é 5 estrelas, maravilhosa, “all bangers all the time” – Kendall Roy (se você já leu qualquer review desse jogo já sabe disso);

- A arte do jogo é muito bem trabalhada, é linda e parece fruto da paixão dos desenvolvedores (até os menus e as pegadas dos personagens possuem personalidade);

- Outra coisa linda no jogo: as cutscenes, são poucas, mas todas memoráveis, o brilho na animação é elevado e o resultado é um dos animes mais belos que já vi;

- O jogo possui um sistema de confidentes, pessoas próximas do seu personagem que conforme você vai convivendo com elas, você vai “upando” o level desse relacionamento, e com isso se tornando mais próximo da pessoa, descobrindo mais sobre ela, e ganhando habilidades especiais. O ponto alto da implantação desse sistema é que conforme você avança esse relacionamento os personagens vão realmente ganhando maior complexidade (ou melhor, quase todos os personagens), o que no começo poderia ser um personagem estereótipo e raso, ele vai ganhando complexidade e tons de cinza conforme você vai o conhecendo;

- No final do jogo base, o grande vilão é revelado como sendo uma divindade, esse boss possui vários problemas que vou abordar nos negativos, mas como positivo fica sua amarração temática, por mais que o jogo tenha vilões e palácios superiores, nem todos conseguem se amarrar tão bem com o tema da rebelião. Essa divindade foi criada pelo desejo da humanidade de perder seu livre arbítrio, de querer ser controlada, é a rebelião final dos personagens, a última luta contra o status quo, e que de brinde também amarra com a apresentação da personalidade da população japonesa em diversos momentos no decorrer do jogo;

- O jogo não se leva a sério (único jeito dele funcionar), e isso leva tanto a pontos positivos quanto negativos, aqui como ponto positivo fica a habilidade do jogo criar momentos marcantes e divertidos com seus personagens, até com personagens que você possui nojo, exemplo Futaba e Mishima e seus diálogos de como ele é um NPC;

- O último semestre com o conteúdo Royal é o ápice do jogo, cada mês (ou palácio) só é tão interessante quanto seu vilão, e Royal tem o melhor vilão do jogo. Um personagem secundário, que era confidente do protagonista e um dos personagens mais queridos do jogo, retorna como o vilão, e suas motivações são complexas e emocionais. Ele está ciente do jogador, explica seus motivos, e até o ajuda a o combater. Não só isso, mas o próprio mundo é diferente, agora estamos realmente no mundo dos sonhos, uma realidade alternativa em que toda a dor é apagada. É uma destruição completa do status quo, coisa que os phantom thieves passaram 100 horas buscando. Porém aqui o tema da rebelião é abandonado, e o jogo lança um novo questionamento para seus personagens (e ao jogador, que possui a escolha final): viver em um mundo com dor ou sem dor? A dor é algo essencial da experiência humana? Afinal, a dor é o que uniu os phantom thieves, e devido a ela todos se tornaram versões melhores de si mesmos. No fim a escolha: lutar ou não com o vilão. Observação: as novas músicas do conteúdo royal também são absolutamente fogo;

- O jogo tem tanto dublagem em inglês quanto em japonês, eu joguei cerca de 50 horas com o jogo em inglês, e o restante em japonês. A dublagem em japonês é boa e em inglês excelente, ambas são cheias de personalidade e com seus próprios charmes, não tenho nada a reclamar, o diferencial do inglês foi parecer ter mais personalidade nas vozes (tornando até a Morgana menos irritante);

Jogo longo, muita coisa para escrever, então aqui vai um breve compilado dos maiores negativos (repetição!! meta review baby):

- Como já foi falado antes, é muita repetição, esse jogo não poderia ter mais de 100 horas, o combate fica repetitivo, a estrutura (vilão aleatório surge -> você encontra o palácio dele -> explora o palácio até achar o tesouro -> boss fight) perde a emoção (e os personagens ainda ficam na dúvida se vai dar certo pegar o tesouro...pqq hein, se deu certo nas últimas 10 vezes, vai dar certo de novo), é a repetição dos diálogos (ah you’re back), das explicações (não entendeu algo? não se preocupe, o jogo subestima a inteligência do jogador e vai explicar mais 3 vezes qualquer conceito ou plot point), é a repetição nos mementos...

- O jogo menospreza a inteligência do jogador e destrói qualquer interpretação ou mistério de sua história. Isso se amarra com a repetição citada anteriormente, qualquer metáfora é explicação nos seus menores detalhes, qualquer conceito é explicado até ficar mastigadinho. Nessa determinação de deixar tudo claro, as conversas vão se repetindo, algo que é explicado em alguma cutscene, pode (e vai) ser explicado novamente no diálogo dos personagens, não demora para o Ryuji se tornar somente o idiota do grupo, e assim se tornando o mecanismo pelo qual o jogo vai regurgitando suas explicações;

- O sistema de confidentes é artificial demais, você percebe que suas respostas, ou melhor, o conteúdo delas não importa, somente importa quais respostas vão te presentear com pontinhos. Além disso, não há conflito entre o protagonista e os confidentes, não há tons de cinza, não há vida, eles só concordam, citam como você é superinteressante e o agradecem por mudar suas vidas. Você não tem como falhar, toda resposta é certa, a única diferença é que uma resposta vai te dar mais pontinhos que as outras;

- A roda de conversa entre os membros do grupo também é artificial, é proibido alguém ficar sem falar, todos precisam falar algo, o que ocorre na prática é que os personagens secundários do tema da conversa vão falar algo super genérico só para dizer que participaram, trazendo uma artificialidade tremenda;

- O conteúdo Royal pode ser visto como uma traição do tema do jogo, a batalha contra o status quo, afinal, nessa expansão você luta...para reestabelecer o status quo;

- O jogo lida com temas maduros, e possui a ousadia de buscar o surrealismo, então é uma grande decepção que boa parte de sua escrita seja tão infantil e ordinária. Um grande exemplo é a famosa conversa entre Akechi e Shido, em que Akechi e Shido explicam de forma incrivelmente detalhada (conotação negativa aqui) e nada sútil o seu relacionamento/parceira e todas as suas ações até o momento, é uma sequência de cinco minutos contendo somente exposição porca, atingindo novos níveis de artificialidade. Ou também a utilização patética e infantil das personagens femininas, que entra em conflito direto com os temas sérios de abuso presentes no jogo, aqui o maior exemplo acontece no palácio de Shido, envolvendo um ex-nobre ao redor de uma piscina, para chamar sua atenção e conseguir um item chave, Ryuji bola um plano em que as mulheres do grupo se vestem de bikinis para chamar a atenção desse ex-nobre, a fim de o enganar e pegar seu item chave. Invés de adentrar na escuridão dessa cena, o jogo vai para a comédia, ridicularizando ainda mais suas personagens, e pior, no fim das contas, após pegar o item chave (e sofrer abuso “engraçado”), a batalha contra esse ex-nobre é obrigatoriamente desencadeada (batalha essa que daria de qualquer jeito esse item chave), ou seja, o resultado é uma humilhação fetichista totalmente desnecessária (detalhe uma das personagens já havia em seu passado um evento traumático envolvendo abuso sexual). Criticando ainda mais a infantilidade de seu roteiro, o mundo parece minúsculo, todos se conhecem, é incrível, até os vilões, é revelado ao final que todos eles se conectam ao vilão principal. E falando em vilão principal, no final é revelado que foi ele mesmo que causou a injusta condenação do protagonista no passado, uma coincidência incrível, é um mundo pequeno mesmo;

- Sobre os personagens: Ryuji é um idiota e seu personagem vai se perdendo, ficando cada vez mais burro e cada vez mais tóxico (o jogo precisa criar conflitos artificialmente), e a Futaba é um nojo, personagem fraco e sem crescimento, estando lá para ser a waifu fetichista de otaku fedido, e ainda sendo a rainha da vergonha alheia falando frases de efeito nerd, pérolas como: “You guys are really op”, “I get the sense I’ll level up faster if I stay close to you. But I still think I’d run out of mp way too fast”;

- Conforme escrevi anteriormente, os temas sérios entram em conflito com a sua infantilidade, o tom do jogo é caótico, o que não seria exatamente um problema, se o jogo conseguisse executar seus momentos emocionais. O clímax emocional do primeiro palácio (Kamoshida) funciona, e após isso é só ladeira abaixo, claro é um conjunto de fatores (afinal, todo sentimento dos personagens é soletrado ao jogador), mas é complicado o fato de que após 100 horas você não sentir emoção ao ver o desfecho emocional dos seus personagens, ou qualquer senso de euforia com sua vitória, até o final “ruim” (que consiste em permanecer no mundo perfeito) não consegue gerar uma reação emocional, esse final em especial é tão corrido que parece que o jogo nem tenta tirar algumas lágrimas do jogador;

- A Sumire, a personagem e confidente com o maior foco do conteúdo royal, é inserida de forma forçada na história (pré-royal), e a resolução do seu conflito interno, é no mínimo discutível, para se recuperar de seus problemas psicológicos, ela decide viver pelos outros (usar como motivação os outros), e não por si mesma;

Em resumo, é muito longo e inconsistente (a review também), seus ápices estão no início e no fim, e seu meio fica na mediocridade. A versão desse jogo para adultos seria maravilhosa.

Reviewed on Apr 24, 2024


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