Eu tenho a umbridade de admitir que detestei The Last of Us por anos simplesmente porque "algo tão contemporâneo e amado não pode me agradar", mas essa imagem de "obra de arte aclamada por todos e suas mães" rapidamente saiu da minha cabeça quando comecei a jogar, a hype projetada em cima do jogo é o verdadeiro câncer da equação, as expectativas que vem com um título desse calibre são inimagináveis, mas ninguém dentro da Naughty Dog podia ter certeza que estariam fazendo um dos maiores sucessos de crítica da história do PlayStation.

Gosto de pensar que videogames bons são milagres, por mais que você tente muito e gaste muito dinheiro, o juízo final pode não ser tão benigno quanto a tua grande vontade. A sorte favorece os ousados e por mais que haja lucro e razão nas fórmulas, o que nós mais queremos é experimentar coisas diferentes, após The Last of Us, os TPS narrativos se tornaram a "go to" formula da Sony e isso é parte do motivo que me fez ver o material original com maus olhos, a verdade é que todos esses clones esquecíveis de TLOU mal sabem emular a identidade da Naughty Dog, e menos ainda destacar-se, não tem nada de especial nesse conceito, são pequenas coisas específicas que se encaixam pra que o game funcione bem como é. O que carrega o experimento é uma simplicidade deliberada e um refinamento realmente profissional

Eu suponho que no pré TLOU, o time da Naughty Dog estava nadando em água morna depois de Uncharted 3 e planejando já a quarta iteração, mas nesse período de começo de 2010 o que todo mundo queria ver eram zumbis, até os jogos sem zumbis tiveram mais tarde DLCs dedicadas a essa trend e não seria diferente com o principal ganha pão da Sony na época. Não eram escritores reconhecidos fazendo o trabalho mais importante de suas vidas, eram uns caras experimentando um tropo e subtraindo seus traços cansados, o que deu origem a um híbrido de survival horror TPS de apresentação naturalista e um singular foco em uma narrativa dirigida por personagens.

Não há nada de absurdo ou grandioso em The Last Of Us, tudo que tem pra se ver são dois personagens, dois personagens palpáveis se conectando num mundinho de zumbis. Falando assim parece até que eu tô descendo a lenha no game mas quanto menos se projeta em Last of Us, mais você consegue aproveitar essa historinha, pois a maior ousadia de Druckmann e o seu time foi de fazer o simples, e aqui se fez de maneira sólida.

A memória ensandecida de horas de conversas insuportáveis foi substituída pela imagem de Joel olhando pro seu relógio quebrado que ele nunca quis trocar e o combate lackluster genérico virou uma aula de "survivalist shooter" onde cagar no pau e ter que improvisar é parte da diversão.

Os sons e gráficos estão num padrão que outras direções de arte ainda estão tentando replicar até hoje e as influências de Fumito Ueda, ausentes no lado mecânico estão ali nos diálogos e na escrita, é difícil achar os tropeços dos criadores quando tudo se encaixa de maneira natural, a impressão geral é que nada aqui parece ter sido feito às pressas, qualquer picuinha que eu possa ter relacionado a puzzles bobocas ou trechos filler... tudo padece diante de uma sinceridade imperscrutável por parte do casamento entre videogame e conto que a obra procura atingir.

Tendo todo o roteiro em mente enquanto jogava, não havia nada pra me distrair do núcleo da escrita, pouco se perde com spoilers visto que o jogo se vale menos por reviravoltas e morte de elenco e mais na tentativa individual de cada jogador de desvendar a monstruosidade Joel, que tenta tapar um buraco no coração em troca da única chance da humanidade, aquela que vive sob a esperança de morrer com um significado. O brilhantismo de Ellie e Joel está no quão relacionáveis eles são, ironicamente, a leveza espiritual da garotinha é o contrapeso do paizão amargurado, essa dupla carrega a narrativa da obra com uma delicadeza impressionante e é difícil tirar os olhos dos dois por qualquer coisa.

As falas são direto ao ponto e há uma sutileza na entrega que deixam muitos filmes no chinelo, é claro que em termos de composição e fotografia TLOU tende a ser bem cru e por mais que eu seja o cara dos onirismos, eu gosto da ambientação do game, a música é tímida e minimalista e o sound design é perfeito, principalmente os sons de disparos. A respeito da dublagem em Português, só notei que a mixagem é porca e a tradução não foi muito bem feita, algumas falas parecem ter sido feitas sem que os dubladores estivessem cientes do momento e contexto em si, de resto é bem legal.

Na hora de jogar em si, o game não foi muito com a minha cara, encontrei glitches hilários que de acordo com meu irmão nunca aconteceram antes. David ficando preso do lado de fora do restaurante, Joel com cebo nas canelas, Ellie fazendo A pose no momento mais calmo da jogatina inteira, e eu tentei muito, MUITO socar estaladores e todas as vezes eu ri da minha estupidez conforme o Joel berrava de dor. O importante é que eu me diverti. Joguei por dois dias e já finalizei no sobrevivente, onde 80% da munição ficou em zero o tempo todo, foi um bom desafio.

Tudo que The Last of Us me trouxe, diz que aqui houve nada mais que uma honesta tentativa de subverter um subgênero farto e carente de vontade, carente de paixão, o game completa 10 anos no ano que vem e sua influência foi tão negativa quanto positiva, Druckmann não é o mais sensível dos diretores e o desenvolvimento da Parte 2 foi bem problemático e polêmico, mas isolando a obra do autor e das repercussões populares, nós temos aqui um jogo extremamente polido e costurado com excelência, destoando de tudo que eu imaginava, The Last of Us exala uma aura de humildade, de simplicidade e com uma competência de game design que merece meu reconhecimento.

Reviewed on Dec 22, 2022


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