Visitar A Plague Tale Innocence após Requiem foi uma experiência bem diferente do que estou acostumada, a observação em relação ao crescimento e desenvolvimento não só dos personagens, mas do mundo que eles se encontram me deixou com saudades de grandes clássicos que impulsionaram toda essa visão peculiar e rica de um mundo distorcido por modificações em grandes momentos históricos.

Diferente da primeira vez que joguei em 2019, agora a minha atenção foi total nos detalhes que tornam essa uma franquia única. Durante minhas primeiras impressões, julguei Innocence como um jogo competente mecanicamente e historicamente rico, mas nada surpreendente. Hoje, tenho uma opinião completamente diferente e talvez bem mais madura em relação aos temas tratados, isso possivelmente tem relação com meu crescimento educacional e curiosidade de pesquisar sobre o mundo que nos rodeia.

Como esta é uma análise focada apenas em Innocence tentarei evitar comparações bruscas, mas preciso recomendar que vocês joguem um bem próximo do outro, pois o que presenciamos no trabalho da Asobo é basicamente uma evolução natural, pouco normal nos dias atuais.

Como o próprio nome diz, A Plague Tale Innocence se refere a inocência dos personagens diante não só de um novo mundo, mas de um amadurecimento precoce causado não apenas por um problema maior, mas também pela época que se encontram. Sempre defendi que Amicia é de longe uma das melhores protagonistas femininas dos últimos anos e mesmo com um psicológico mais jovem já é perceptível sua personalidade forte, dependente e extremamente sentimental (coisa que se modifica em partes no Requiem) e isso é muito importante para uma imersão, pois o jogador precisa se conectar com algo.

Ao contrário da sua irmã, Hugo é a clássica criança observando o mundo pela primeira vez, mimado e de rápida mudança de humor, é o personagem central de um quebra cabeça não tão complexo. Por motivos óbvios ele me lembra a protagonista Ada de “A guerra que salvou a minha vida” e isso tem uma força absurda quando olhamos para seu interesse em coisas que consideramos básicas para a vivência. É desconfortável as vezes ver como ele é uma criança, afinal quando comparamos Hugo com personagens de sua idade, a maioria aparenta um amadurecimento extremamente intenso, já para a “cria” da Amicia ocorre o oposto, nós fazemos parte desse adeus rápido para o que deveria ser a melhor parte da vida.

Diferente de muitos jogos “simuladores de pais”, A Plague Tale tenta trazer uma aposta diferente, evitando deuses, semideuses e o sistema de pessoas diferentes se unindo por um bem maior. Aqui se destaca a estranheza e o desenvolvimento de dois irmãos que deveriam no mínimo se conhecer, mas que por motivos maiores nunca tiveram a chance.

De fato, esse recurso adotado pode parecer comum, mas o nível que os desenvolvedores transformaram a situação me deixou bem mais interessada do que em outros que são aclamados e o motivo disso é bem óbvio: são duas crianças em um mundo decadente, podre e em amplo definhamento. Enquanto jogava também fiz a loucura de imaginar as crianças durante a peste negra e como tudo isso deve ter sido assustador, afinal acabamos de sair de uma pandemia e ainda estamos nos recuperando de todo o caos e tristeza que acompanhou tal período, então imagine no período tão assustador como aquele, sem tecnologias e recursos para os menos afortunados.

Quando vamos para o lado mais biológico eu me encontrei interessada nos motivos que fizeram os desenvolvedores utilizarem o mito popular de “culpa aos ratos”, afinal é de conhecimento e debate que eles só foram um dos possíveis métodos de transporte para as pulgas e os problemas desenvolvidos pelo Yersinia pestis. Mesmo sendo uma coisa mais idealizadora de minha parte, preciso acrescentar que achei genial a possibilidade de atrelar o surgimento da alta quantidade de ratos ao ciclo de vida da própria pulga, pois no jogo poderíamos considerar essa comparação absurda de uma maneira extremamente natural, afinal imagine um rato gerando em média 600 outros ratos ao longo da vida e que tivemos um processo de meses para o ponto final do plot. Além disso, a forma como abordaram a transmissão por outros animais também foi muito bem desenvolvida, sendo perceptível os motivos que levaram a certas partes do jogo.

Uma outra ideia genial por parte da Asobo foi justamente utilizar os sintomas da peste como forma de demonstração dos infectados, já que a bactéria se aloja em regiões do sistema linfático e causam aquelas marcas que observamos nos corpos. Como observação final, é importante ressaltar que esses problemas não foram exterminados e um número considerável de pessoas contraem a doença anualmente, então a ideia de distância em relação à base principal do jogo não existe tanto como imaginamos.

No geral, também achei impactante a representação do ambiente e da utilização de métodos de “controle” rudimentares e extremamente assustadores como as valas comuns e a queima de corpos, o que atrelado com a ideia de religião e maldição trouxe ainda mais impacto para a narrativa. Uma pena não terem aproveitado o espaço de comunidades e instabilidade social que poderia existir na época.

O combate como comentado permanecem útil para a ideia central do jogo, nada muito revolucionário e muito menos complicado. Na realidade, achei o método furtivo bem mais variado e disposto do que o combate direto, então recomendo fortemente que joguem pela primeira vez com um certo nível de dificuldade para dar uma ideia de desespero. Um outro recurso tanto narrativo quando de mecânica utilizado de maneira instável foi o método de desespero e situações de perseguição, as vezes não existe real perigo e o jogador pode simplesmente sair caminhando pelo ambiente.

Falando em contexto fantasioso, acredito que é consenso que a parte final foi horrível, pois algo corrido e de certa forma sem impacto não criou marcas o suficiente para realmente fazer o jogador se importar. Além da péssima batalha final que acaba logo quando começa.

Um dos meus pontos favoritos em relação a conexão entre os dois jogos tá na parte musical, pois de acordo com o músico responsável, todo o jogo possui a mesma ideia de melodia (6-8 batidas) e através dela temos as variações que causam tanta força na narrativa e desespero nos momentos de ação e perseguição. Inclusive, um dos motivos que me fizeram voltar para o primeiro foi justamente o compositor dizendo que a soundtrack de Requiem foi totalmente baseada na de Innocence, o que causou espanto quando escutei a mesma melodia, mas de uma forma mais fantasiosa e inocente.

A Plague Tale Innocence foi um ótimo ponto de partida para o que pode chegar a ser uma das melhores franquias dos últimos anos, seus erros foram arrumados em Requiem e foi possível observar a evolução orgânica e extremamente delicada feita pela Asobo, uma pena a franquia não ter o reconhecimento merecido pela maior parte do público.

Reviewed on Mar 10, 2023


Comments