Signalis não reinventa a roda, não avança o gênero e nem propõe uma experiência única e revolucionária. Ao contrário de muito jogo pretensamente “melhor jogo do mundo”, a proposta apresentada de Signalis é bem simples, direta e familiar: uma experiência de survival horror clássico.

Essa apresentação bem objetiva dificulta que a gente não faça um resgate de títulos consagrados do subgênero/modelo evocando nostalgia por jogos como Resident Evil, Silent Hill e Alone in the Dark e faça comparações durante a jogatina, mas nem todo mundo pode se dar ao luxo de resgatar o que não consumiu no passado.

E assim Signalis se torna um representante, um embaixador, com uma proposta de trazer em um ambiente mercadológico contemporâneo e moderno conceitos de level design que se sagraram extremamente populares no passado e moldam Survival Horror até os dias atuais. Temos aqui boas lições de design aplicadas de forma bem executada em matéria de level, puzzle e survival, com forte incentivo ao gerenciamento de recursos em virtude uma escassez planejada, apesar de nunca soar generosa demais, nem mesquinha demais.

Resta ao jogador, novo ou velho, atuar conforme a proposta e tomar decisões mais eficientes em relação ao uso de tais recursos, algo que se aprende a duras penas a não abusar, sob o risco de amargar um chamado “soft lock”, onde o jogador torna sua própria sobrevivências inexequível devido ao esgotamento dos recursos.

Veteranos chegam já com toda a bagagem e a experiência acumuladas, e vão encontrar um jogo relativamente fácil em matéria de combate e de puzzle design. Mas é incauto e injusto não por a lente do jogador pouco versado para analisar a condução que o jogo faz em fornecer pistas até mais do que suficiente para que o jogador deduza a solução dos diversos quebra-cabeças que são parte dorsal da experiência.

Especialmente pela coesão que tais quebra-cabeças possuem dentro do cenário. Claro que há uma boa dose lúdica no seu design, mas todos eles parecem se integrar aos complexos que você irá explorar, além dos outros cenários complementares. Diferente de ideias obtusas e esdrúxulas de jogos mais antigos, aqui temos lógicas bem sólidas e que causam uma gostosa sensação de eureca quando solucionadas. É uma catarse rasa, mas constantemente presente.

Um destaque muito pertinente sobre Signalis é seu esquema de controles alternativo e opcional, oferecendo uma experiência bem mais próxima de suas referências da era do Playstation 1, o que permite aos veteranos mais exigentes reviver a dificuldade da movimentação de “tanque” característica da época e tornar seu corre mais desafiador.

Signalis também conta com uma intrigante trama distópica com as camadas da tradicional narrativa tripla dos jogos eletrônicos: registros, cenas roteirizadas e ambiente, além dos diálogos com outros personagens.

Há uma certo nível de comentário social, muito comum em obras do gênero, especialmente no que tange a crítica ao capitalismo tardio e a exploração de trabalhadores, se permitindo também adentrar o campo do papel de gênero (repare como a maioria dos androides em todas as funções tem características femininas, enquanto somente uma das funções é desempenhada por um androide com traços masculinos). Há flertes rápidos também com uma dose de filosofia na inclusão de algumas pequenas reflexões sobre ética e metafísica, mas de forma superficial. A narrativa se mantém quase o tempo todo contextual e textual, com seus momentos mais cinemáticos marcados com belos visuais e cinematografia, tanto quanto sua brevidade e clareza propositalmente críptica.

A ambientação certamente traz uma familiaridade com outras obras que exploram a trope do horror espacial, como em Dead Space, SOMA e Prey, explorando uma atmosfera alienígena e silenciosa cheiande tensão envolvendo réplicas andróides, estruturas com tecnologia avançada, doenças misteriosas que afetam a mente causando comportamento de zumbi, embalado em uma trilha sonora minimalista e inquietante.

Som é também um importante e valioso aspecto central em Signalis. Do título a certos quebra-cabeças e até mesmo em alguns encontros com inimigos, a utilização do som como elemento não somente ambiental, mas também ativo no level design, traz muita coerência temática ao jogo, agregando à obra tanto na metalinguagem quanto na diegética de suas mecânicas.

É raro eu escrever tanto sobre um jogo fora da minha zona de conforto, mas Signalis fez um trabalho excelente em executar sua proposta de forma tanto profissional e técnica quanto artística que eu não pude evitar. É uma obra que não se limita em contar uma história mastigadinha, mas convida o jogador a desvendar suas camadas enquanto foca no seu recorte nuclear e fornece elementos de jogo coerentes e prazerosos. Uma grata surpresa.

Reviewed on Nov 20, 2022


1 Comment


1 year ago

review foda lee, pra mim esse jogo já é um dos melhores de 2022