Penitência. Um castigo ou salvação imposta àqueles que acreditam na expiação do pecado pelo sofrimento, e pela dor da carne. Como se seu lamento te livrasse do mal em corpo e alma.
Essa é uma visão desse termo;
Outra interpretação, talvez mais apostólica, seja na forma do cristão entregar seu corpo à santíssima trindade, tal qual Jesus e tantos outros mártires fizeram ao longo dos anos.
Santos que se sacrificaram em nome de sua fé e se livraram de qualquer peso, culpa ou dor mundana.
"sorte deles que morreram acreditando terem mudado o mundo, azar o nosso que continuou nele, sofrendo as devidas consequências"- Pentiment.
Agora, o quão cruel é não conseguir ser um mártir? Nessa busca interminável por uma dor para aliviar a culpa, a penitencia tem seu lugar sacro. Um sacramento louvável de dor, e compulsão que emula um sacrifício do corpo. ( tal qual jesus) quase de forma fetichista.

Esse comportamento de autodestruição sagrada se vê mais comum do que parece no comportamento humano, mesmo fora da igreja.
Em artistas, por exemplo, isso é quase religioso.
Muitos artistas têm sua arte como lástima. Vai devorar sua obra como um lobo devora um porco espinho, se mutilando e se lamentando, mas encontrando arte nesse ciclo ( que alguns vão dizer ser virtuoso).
Esse vício, talvez herdado da influencia cristã na arte, deu vida a grandes obras e artistas. Uma que eu amo de um dos meus artistas favoritos é a "A Incredulidade de São Tomé", por Caravaggio. Um artista que , pelas suas obras, vivia em constante penitencia.
Nessa obra, vemos ele (um suposto autorretrato, como ele costumava fazer) tocando na ferida de Jesus. Quase que surpreso, enquanto Deus, com um olhar piedoso, deixa Caravaggio magoar sua ferida em nome de sua fé. Como se precisasse tocar para crer, e ao tocar, ferisse a Deus, e portanto, a si mesmo. Apesar de não ser cristão, eu tenho um apreço por expressões de fé e eu amo como em Caravaggio, toda sua dúvida (e penitencia por conta dessa dúvida) transborda em arte. Caravaggio viveu e morreu se mutilando, talvez fisicamente, mas pelo menos em parte de sua arte (Davi com a cabeça de Golias)
Mas e para você? Quantas vezes foi o pentinente; e como pentinente, foi também teu confessor?

E quantas vezes, encontrou uma fé, mesmo fora da igreja? Se convenceu que merecia todo tipo de tormenta por conta dessa contrição. Quase de forma fetichista, assumiu o papel do réu, júri ou juiz?

Pentiment vai falar de fé, mas também vai falar dessa peleja interna em que vivemos ao longo da vida. Entre nossas diversas facetas, humores e contradições.
Pentiment é um retrato que vai contar em seu macro como a história é contada, muitas vezes pela arte, e como isso reflete na vida e nas dores das pessoas a sua volta. Por outro lado, é esse olhar íntimo e pessoal na vida de um protagonista esplêndido que consegue, com tão excelente uso do feitio de jogos, expressar uma jornada pessoal na vida de um artista. Nos conflitos externos e internos. Na disparidade entre amor a arte, amor a pessoas e amor próprio.
Também, na busca artística quase sagrada da alto penitencia para aliviar a dor do fardo da culpa de pecados ainda não cometidos.
Esse jogo é excelente e recomendo qualquer artista jogar.

Pentiment definitivamente não é uma obra Caravaggista, mas retrata de forma excelente artistas como Caravaggio.
PS: Pentimento, em quadros, pode remeter a um deslocamento de elementos ao longo do tempo (na arte final) muitas vezes resquícios de outras versões são evidentes em quadros, quase como fantasmas na obra. Esse jogo tem tudo a ver com isso.

Reviewed on Dec 26, 2022


2 Comments


1 year ago

Impossível ler essa review sem lembrar de como o livro O Código da Vinci retrata a Opus Dei.

Penitência é uma coisa que me deixa bem triste e que não faz nenhum sentido pra mim, aliás, e é um dos motivos de eu nunca ter entrado pra uma religião que pregue isso.

1 year ago

@CDX realmente Codigo da Vinci tem muito disso ne hehehehe