The Last of Us Part II é tecnicamente impecável e viciante, de forma que qualquer avaliação que lhe dê nota muito baixa seria um mero hate diante de seu plot controverso e divisivo. Entretanto, o que faz The Last of Us especial é sua narrativa; de maneira que uma história mal contada não é algo que possa passar totalmente ileso; e aqui, de fato, há uma história difícil de gostar.

Mas começando com o que é bom primeiro, o gameplay de The Last of Us Part II segue a mesma lógica de seu antecessor, não reinventa a roda, mas é aplicado com grande sofisticação e perfeição técnica. Jogar The Last of Us é simplesmente uma delícia, seja caminhando pelos cenários absurdamente lindos, ou operando com um stealth muito bem aplicado, ou na boa e velha trocação de tiros, tudo funciona como deveria funcionar, é intuitivo, e torna a jogabilidade extremamente dinâmica. É impressionante como o jogo vai de 8 a 80 em instantes, e como o jogador se adapta em cada segmento.

Você ainda vai perder muito tempo olhando cada canto dos cenários, em busca de recursos e colecionáveis, e até isso é bem-feito aqui; e veja que, apesar de eu adorar o fato de que você não precisa de um único documento ou áudio para entender e imergir na história, encontrá-los tem seu valor na imersão, já que eles são realmente orgânicos e naturais naquele mundo; além de aprofundar o contexto daquela realidade. E o melhor, encontrar colecionáveis é natural, pois você precisa ter recursos para craftar seu equipamento, melhorando-os ou construindo-os, então é tudo muito orgânico.

Sobre aspectos técnicos, não tem nem o que ser dito senão que esse jogo é um milagre no PS4. É um jogo lindo graficamente, com modelos de personagens detalhados e animações extremamente realistas, o que só aumenta a sensação de violência, com fases abrangentes e extremamente bem detalhadas, com efeitos de neve, de chuva, seguimentos inteiros em regiões inundadas, fumaça, fogo, e essa beleza gráfica é fundamental na imersão do jogo, que é 10 de 10 aqui. Impressionantemente, também é um jogo de performance impecável, já que na minha experiência não identifiquei nenhum bug ou oscilações na taxa de quadros, e meu PS4 é o modelo base, o que torna tudo ainda mais impressionante.

Mas enfim, diante de tantos elogios, e a história?

Bem, por mais que o jogo tenha facilitações de roteiro nas suas duas horas iniciais, a premissa de vingança da Ellie é bem fundamentada, e suficiente para engajar a maior parte dos jogadores nessa missão. Sem contar que ver uma personagem tão doce quanto a Ellie passar por um processo de trauma e violência desumanizante é interessante, e sem dúvida uma excelente ideal para uma grande história dentro do universo de The Last of Us. O problema é que essa história é mal executada.

Primeiro, o jogo tem subplots que mais atrapalham do que ajudam, e por mais que a narrativa traga personagens secundários interessantes, eles não são suficientes para segurar os melodramas propostos por eles, ou impor as visões ideológicas de Druckmann (criador do jogo), mesmo quando feito sobre boas premissas. Por exemplo, apesar de eu ter gostado muito da história do Lev e dos Cicatrizes, ou seja, de uma vítima de fanatismo religioso, e sua jornada para salvar esse personagem, a história desse personagem nada tem a ver com a premissa maior do jogo, que é justamente a jornada da Ellie.

Há, portando, dois jogos em The Last of Us, mas que não se complementam perfeitamente, pois a ideia do jogo é que a segunda parte te faça sentir culpa pelas ações da Ellie, ao humanizar seus inimigos – mas narrativamente, não faz sentido com a premissa, até porque a percepção da Ellie está limitada pela violência inicial que ela sofreu, já que ela mesmo não testemunha os aspectos humanos de seus inimigos propostos pela narrativa, e o jogo acaba propondo uma contradição entre a personagem controlado e o jogador, o que pode, de certa forma, quebrar a imersão. Além do mais, a quebra narrativa no meio do jogo para o início da sua segunda parte gera um grave problema de ritmo.

Sobre a deterioração moral de sua protagonista, verdade seja dita, a Ellie não faz nada que não seja normal naquele mundo. Ela não cruza linhas reais aqui. Todas as grandes mortes propostas são feitas em legitima defesa ou porque a personagem entrou em território inimigo, e daí e matar ou morrer. Faltou coragem ao jogo de colocar uma certa vilania na protagonista, como você tem com o Joel no primeiro jogo, um homem que fazia o que tinha que fazer, e nem sempre era bonito. O problema é que o jogo tem medo de desumanizar sua protagonista, quando a premissa do jogo é a desumanização pela vingança; ou seja, a premissa pede que ela seja cruel, mas ela não. Isso ocorre talvez porque o jogo tenta vender a narrativa da vingança, e esquece de desenvolver de fato o problema aqui, o trauma que sua protagonista carrega, alinhada ao remorso do tempo perdido. Essa percepção até vem no fim do jogo, mas isso é lá na 24ª hora; daí fica difícil defender o foco narrativo.

O jogo até tem um momento específico mais pesado de violência, mas o abalo imposto sobre Ellie acaba evidenciando um remorso absurdo que sequer é condizente com a jornada da personagem. The Last of Us era um jogo que integrava perfeitamente o gameplay e cutscenes, de maneira que estabeleceu que tudo que acontece durante a jogatina também estava contando uma história. Ellie mata gente a torto e a direito deste o primeiro jogo, de forma que uma única morte lhe abalar atesta uma certa contradição neste conceito de perfeita simetria.

Mas nada, absolutamente nada! foi mais frustrante para mim, do que o final desse jogo. Eu não tô brincando. Não vou dar spoilers, mas é um final que mistura o vazio com um moralismo sem sentido. É anticlimático, e torna a jornada vazia da forma errada. Digo isso, porque a história de “será que valeu a pena?”, ou “até o último deles” se perde com lapsos de moralidade que, na minha visão, sequer fazem sentido narrativo ou com a construção da protagonista. É frustrante, especialmente porque a escolha no final não muda nada na vida de Ellie.

Daí vem a conclusão do maior problema com Part II, este jogo é pretencioso. A verdade é que seu idealizador acha que tá escrevendo o Poderoso Chefão dos videogames, e acaba cometendo erros narrativos dentro de suas pretensões, criando uma história na qual ele tenta esfregar a moral da história na sua cara, perdendo de vista a verossimilhança das escolhas de personagens que cresceram em um mundo fundamentado na guerra e na sobrevivência. É um jogo que pedia ambiguidades, não certezas.

Sei lá, com essa narrativa, minha vontade era dar uma nota menor, já que a narrativa é o principal diferencial em The Last of Us, e falhas nesse quesito são suficientes para até condenar o jogo; mas sendo um jogo tecnicamente tão sólido, com gameplay refinado, ótimos momentos de ação e tensão, gráficos e ambientação impecáveis, grandes atuações e momentos verdadeiramente épicos, só seria injusto fazer isso.

Reviewed on May 23, 2024


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