Essa análise será significativa bem mais extensa que as anteriores, pois esse jogo merece tal abordagem. Pretendo discutir alguns pontos sobre design de jogos, arte, forma que enxergamos mídia e a incessante forma que vídeo games são comparados a outras formas de entretenimento. Cuidado com os eventuais spoilers!

Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty é a sequência mais corajosa já criada na indústria dos vídeo games e provavelmente é a mais próxima de uma verdadeira arte pós-modernista que podemos apreciar com um controle em mãos. O que realmente impressiona nesse segundo título é a forma que utilizaram o desenvolvimento, os trailers e a expectativa do público para poder passar a verdadeira mensagem que desejam. Sons of Liberty manipula o jogador em várias camadas para criar tanto desconforto quanto conforto ao mesmo tempo, porém essa visão artística começa muito antes mesmo de você jogar.

Voltando no tempo, Metal Gear Solid 2 foi um dos jogos mais antecipados para sua geração. Haviam milhares de propagandas distribuídas pela Sony e muitas pessoas estavam comprando para testar o que seria o próximo salto para a indústria. No entanto, em nenhum momento foi demonstrado absolutamente nada sobre o que realmente o jogo abordaria. Durante entrevistas, demonstrações e trailers, Raiden nunca foi citado que estaria no game e muito menos como protagonista. Havia algo que os desenvolvedores estavam claramente escondendo de um forma extremamente planejada.

O primeiro segmento é utilizado como uma ferramenta para desviar atenção de quem está jogando do verdadeiro cerne das questões que serão apresentadas. Toda aquela área é estrategicamente construída para demonstrar a evolução das IAs dos guardas, a chuva constante, movimentação do Snake, qualidade de sombra, objetos quebráveis e a utilização da primeira pessoa. Nesse momento, os desenvolvedores estão entregando exatamente o que seria uma continuação digna do tão apreciado jogo de espionagem cinematográfico. Tudo é maravilhoso para quem está jogando e a curiosidade sobre está acontecendo durante essa nova missão só aumenta à medida que coisas inesperadas vão ocorrendo, porém, do nada absoluto, Snake morre e toda a jornada reinicia dando início a história de um segundo personagem. Você não é mais Solid Snake, e sim Raiden repetindo os mesmos passos e mesmas conversas, tutoriais que foram feitos em Metal Gear Solid só que de uma forma parecida com um sonho absurdo. Para época isso foi chocante, era como se o jogo estivesse fazendo uma piada do próprio jogador enquanto retira tudo que foi demonstrado no primeiro segmento. Acredito que a falta de personalidade da Big Shell é algo intencional para justamente fazer acreditarmos que essa segunda parte é tudo o que não se esperaria de uma continuação.

Boa parte desse desconforto no segundo ato é criado pela a extrema semelhança entre os dois jogos, essencialmente demonstrada através de diálogos no Codec e cutscenes enormes. Normalmente, isso não seria um problema, mas entra uma questão: por mais que esses diálogos possam ser intencionais, eu não consigo aceitar que o Kojima seja um bom escritor até esse momento. O próprio Metal Gear Solid tem alguns furos de roteiro bastante aparentes, como Liquid deixar Snake vivo ou a cena de tortura com Ocelot. Para alguns, isso pode ser resumido como suspensão de descrença para tornar os segmentos divertidos, e logo voltarei a esse assunto. Continuando, Sons of Liberty beneficiaria muito se fosse focado na regra "show, don't tell", pois é um absurdo os inúmeros diálogos de exposição que esse título possuí. Por outro lado, acredito que a origem desse problema possa estar nas limitações do Playstation 2, mas só poderei confirmar isso com total certeza ao jogar os próximos Metal Gears. Porém, dependendo da forma que você decidir interpretar os próximos acontecimentos, tudo que eu falei pode ser anulado para esse título específico.

O terceiro ato é o momento que Sons of Liberty começa finalmente e lentamente demonstrar seu real objetivo e mensagem para o jogador. A quebra da quarta parede nunca foi tão abusiva quanto é dentro do Arsenal, chegando literalmente replicar a cena da tortura do primeiro jogo e fazendo o Snake citar um item "cheat" de munição infinita. Não existe mais o que esconder, você está no estomago da criatura. Tudo fica tão absurdo que o conceito que sustenta um jogo de espionagem é quebrado logo em seguida, pois você tem munição infinita e luta com dezenas de ninjas que normalmente Raiden evitaria para não entrar em combate. O fato do protagonista conseguir derrubar 10 Metal Gears, algo que é apresentado como extremamente perigoso em seu antecessor, ao mesmo tempo é o ápice da loucura. As várias e confusas reviravoltas do xadrez 5D que os antagonistas estavam jogando entre si é a demonstração da principal mensagem do jogo: o perigo do excesso do consumo da mídia e como a desinformação está sendo aceita como verdade pelo público. Afinal, o que foi real e o que não foi durante a sua jornada em Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty? É algo que fico muito curioso para saber como será abordado no terceiro jogo.

A quebra final de toda a experiência ocorre quando acontece, provavelmente, o diálogo mais profundo que já foi criado em um videogame. A dúvida se o Coronel é realmente uma IA ou um novo tipo de ser que emergiu da consciência humana é extremamente conflitante. A discussão sobre o controle de informações e a ética da sociedade atual é simplesmente magnífica. Não estou dizendo que isso representa o ápice da filosofia, mas para uma indústria que cada vez mais foca apenas em tratar jogos como produtos, é, com certeza, impressionante. Acreditar em uma verdade hoje em dia é algo muito subjetivo e requer muita pesquisa, pois o algoritmo (que somos nós mesmos) influencia as pessoas acreditarem apenas no que querem ver.

Para concluir, Metal Gear Solid 2 é um jogo que desperta conflitos ao ser analisado tanto como uma obra de arte quanto como um produto comercial. Embora reconheça que as habilidades de escrita de Kojima apresentem falhas em certos momentos, comparáveis às de George Lucas, e que algumas partes do jogo possam ser cansativas, esses aspectos são justificados pela mensagem que o jogo deseja transmitir. Isso me levou a refletir sobre algo importante: videogames não devem ser avaliados da mesma forma que outras formas de mídia. Muitas vezes, nos concentramos em critérios aplicáveis a filmes e livros, esquecendo que os jogos são uma forma de entretenimento única que não precisam seguir os mesmos padrões. A incessante busca por validar os videogames como forma de arte comparável a livros e cinema é algo que precisa ser interrompida o mais rápido possível. Acredito que os videogames serão reconhecidos como arte quando outra forma de entretenimento assumir a posição de rejeitada, assim como ocorreu com o cinema no século XX.
Sons of Liberty é, sem dúvida, uma das melhores experiências que alguém pode vivenciar nesse meio, e isso se deve ao fato de que o jogo aproveita ao máximo o potencial dos videogames da época.

Reviewed on Apr 14, 2024


4 Comments


15 days ago

Incrível como a sequência desses 3 jogos da saga metal gear é o ápice dos jogos

Curioso pra ver o que você vai falar de mgs 3

15 days ago

@jacapreta realmente até agora esses dois jogos da franquia vem me impressionando bastante. Tô bastante empolgado para jogar o três quando tiver tempo, porém acredito que antes vou dar uma olhada no twin snakes por recomendação de um rapaz aqui no site.

9 days ago

Pô, cabia um aviso de spoiler ali heim. 👀

Te falei que o 2 ia despedaçar suas expectativas, hahaha! XD

9 days ago

@CDX Tem total razão. Arrumado! 👍