Pentiment 2022

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7 days

Last played

September 6, 2023

First played

June 30, 2023

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Pentiment é uma grata surpresa em meio ao modelo de produção de jogos da atualidade. Enquanto a maioria dos estúdios AAA foca em explorar e extrair a excelência de suas maiores franquias, o que nem sempre se mostra possível, ou sequer crível que estejam tentando, vemos uma grande publisher, no caso a Microsoft, permitir que os estúdios grandes experimentem com projetos fora do que mais rende financeiramente e trazer inovação, frescor e experiências mais ricas e diversas no grande mar que despeja todos os meses uma grande quantidade de jogos nas prateleiras reais e virtuais.

A Obsidian é já famosa pelo esmero narrativo que implementa em seus jogos. Desde RPGs pesados como Neverwinter Nights 2, Fallout New Vegas e Pillars of Eternity até jogos com mais ação como Alpha Protocol e Armored Warfare e Grounded, a “narrativa” costuma ser um ponto de destaque de seus jogos. As aspas se referem ao fato de “narrativa” no mundo dos jogos se referir de forma lato a “roteiro”, “narrativa”, “diálogos” e “desenvolvimento temático” do que exatamente aos conceitos mais tradicionais de narrativa utilizados na literatura e no cinema.

Pentiment pode sair de forma mais mecânica do que o estúdio costuma fazer, mas puxa pra si uma temática de ambientação pouco comum no mundo dos jogos e talvez inédita em matéria de contexto histórico-geográfico para imprimir sua qualidade narrativa. Trata-se de um período histórico real e raro, apesar de figurar em outras mídias com mais frequência, onde em um gameplay moderno do gênero adventure se desenvolve um roteiro que empresta elementos de obras como o Nome da Rosa e Um Crime de Paixão para contar a história de Andrea Maller, um artista, que se envolve na investigação de um assassinato em uma abadia, em busca de provar a inocência de seu amigo padre.

A direção de arte opta por uma belíssima referência a vitrais e desenhos encontrados em livros, tapeçaria e registros históricos europeus, após a queda de Roma e ascensão do Catolicismo na região da Bavaria, atual Alemanha.

Traços de arte pagãs e sacras se misturam não apenas para personagens, mas todo o ambiente onde a história é contada e o jogador interage, que busca replicar o estilo característico do período também nas interfaces e menus do jogo.

A arte sonora segue na mesma linha, com sons de manuseio de pergaminhos, páginas de livro e materiais de papelaria, sem esquecer da trilha sonora inspirada em instrumentos como o alaúde e a gaita de foles. Toda a atmosfera transporta o jogador para uma experiência artística impecável de altíssima qualidade.

Não satisfeito com uma apresentação invejável, o roteiro e o gameplay se aventuram nos terrenos da narrativa ramificada, com diversas variações de desenvolvimento que refletem escolhas impactantes do jogador.

Aqui mora uma das coisas que pessoalmente não fui feliz com o jogo. Ele se utiliza de uma proposta de liberdade incomum onde certos eventos canônicos precisam que o jogador aponte respostas para as lacunas apresentadas. Essa proposta cria um senso irretocável de liberdade de condução da história, e com consequências diretas de suas decisões, algo que é bastante valorizado em títulos como a série Persona.

Mas ao mesmo tempo torna as respostas decididas pelo jogador como algo que em inglês chamam de “headcanon”. Não existe “resposta certa” ou “resposta errada”, apenas uma verdade traçada pelas ações do jogador que se tornam fatos para aquele jogador.

Isso significa que ações que eu tome neste gameplay impactam em trechos da história lacunosos e cuja resposta não importa se está certa ou errada, pois serão consideradas como verdade para essa experiência.

Esse traço talvez conquiste muitos jogadores, mas eu pessoalmente prefiro algo mais concreto e universal, uma verdade que uma vez descoberta vale como cânone para qualquer um, quando se fala de histórias de investigação criminal.

Tal direção tira o impacto das decisões, em minha opinião, e faz com que a investigação se torne mais interessante do que a própria conclusão da mesma. O texto de Pentiment é algo capaz de sustentar essa troca de foco, contudo.

Os diálogos de Pentiment são humanos, são reais. Eles conseguem abordar diversos aspectos individuais, políticos e sociais dos personagens e os conferem personalidade, profundidade e propósito. As pessoas da vila de Tassing são bastante críveis e marcantes. Fontes diferentes são escolhidas para representar a linha de cada personagem e adicionam mais uma camada de personalização de cada cidadão. É algo que costumo ver mais presente no idioma japonês, já que até mesmo a opção de caractere (kanji) reflete a personalidade de um indivíduo.

Quase tudo em Pentiment trata-se de diálogo, inclusive. A mecânica de interação simplificada basicamente permite ao jogador observar algo ou conversar com alguém, com alguns poucos momentos onde um minigame toma o controle do personagem e quebra o loop.

Aqui talvez Pentiment divide seus maiores acertos e, no meu caso, minha maiores frustrações. Praticamente todos os diálogos permitem que o jogador selecione dentre 2 ou mais opções uma maneira de dar continuidade, algo que não é novo, longe disso, mas finamente executado. Apesar de impecável tecnicamente falando, a mim esse tipo de interação sempre me causa a preocupação de ter optado por uma péssima resposta e ter inviabilizado algum tipo de relacionamento com aquela pessoa.

Uma resposta que agrada ou desagrada alguém exibe um “Isto será lembrado” alertando que uma decisão impactante foi tomada naquele momento. E de fato, várias vezes há uma espécie de “teste de persuasão” de um personagem ou outro, porém dependendo das interações anteriores um sucesso é impossível e nada pode ser feito quanto a isso.

Isso me frustra demais justamente porque quando falamos de RPG de mesa ou mesmo vida real, há uma possibilidade de “reteste”, de argumentação com a pessoa, de um pedido de desculpas, algo que auxilie a contornar um problema.

Em CRPGs e Adventures esse tipo de design é determinante e imutável, ainda mais pela ausência de múltiplos saves. Se você falhou em uma persuasão, anote os motivos e quem sabe em uma nova jogada você tome decisões diferentes que irão alterar esse resultado.

Vale a pena? Sinceramente, creio que não. As mudanças entre cada decisão são pequenas e não tem tanto impacto nos pontos principais da história, apenas em detalhes que pavimentam o entorno dos eventos da trama central. Somente um complecionista rejogaria esse jogo para conseguir todos os troféus atrelados a resultados específicos.

Por me passar essa sensação constante de preocupação com “decisões certas ou erradas”, que precisei me desvencilhar, Pentiment acabou tirando muito da minha vontade de rejogar e até do peso das minhas decisões, motivo pelo qual, um dos grandes destaques narrativos da proposta não passou de algo frustrante e sem muita importância pra mim.
Dito isto, o desfecho do grande mistério de Tassing é bem escrito e adulto. Há diversos temas maduros que são tratados no texto, com tragédias imutáveis, muita dor e sofrimento humano e até uma lógica sólida por trás dos atos vilanescos que antagonizam o roteiro, humanizando e o tornando ainda mais crível.

Em questão de design Pentiment foi decepcionante pra mim. Tanto quanto um jogo narrativo, quanto em matéria de puzzles e riqueza de mecânicas para seu gênero. Mas como experiência, Pentiment justifica bem suas escolhas criativas se mostrando forte em personalidade, estilo e ousadia. Uma obra notável que deve ser bastante destacada pelos seus feitos e contexto.