Você é um sleeper: uma mente humana emulada em um corpo mecânico, uma venda de direitos autorais da caixola do seu eu original que nasce sumariamente para servir uma corporação. Citizen Sleeper recontextualiza o personagem blank-slate diretamente através desta ótica: sua interface com o mundo são as suas ações; suas conquistas no Eye vem através do mesmo meio para o qual você foi criado - servitude. Porém, agora seu mestre não é apenas a corporação que rastreia a sua propriedade perdida, mas também os elementos - fome, sono, saúde, dinheiro, tempo. Citizen Sleeper, em seu melhor momento, é sobre sobreviver e triunfar, das maneiras minúsculas em que um pode, sobre a opressão do capitalismo tardio. É sobre vender o almoço pra comprar a janta, sobre quase se matar de trabalhar pra conseguir garantir um futuro um pouco melhor para uma criança, ou para uma comunidade, ou para a bartender bonitinha que te deu o seu primeiro sorriso, e se definir como alguém além de sua subserviência ao capital - flores que se espreitam e brotam pelas frestas do metal gelado, apesar de tudo. O começo do jogo te captura nessa peleja diária, uma série de ampulhetas descendo paulatinamente, e todo o tempo do mundo não parece o suficiente para garantir o seu e o de quem te acolheu - um sistema simplérrimo que não passa de um d6 e quatro atributos regendo uma orquestra delicada com muita precisão.


Infelizmente, não tarda muito até tudo descompassar. A tensão opressora do jogo dá caminho à uma monotonia entediante (ainda um bom comentário, mesmo se não intencional) e as curtinhas histórias se revelam mais pelo que elas são: o que antes parecia um ecossistema vivo é na verdade uma série de one-shots lineares, que nunca se converge, e a falha absoluta nunca foi uma realidade - de alguma maneira, você vai conseguir dar um jeito em quase tudo que aparece pra você, seus atributos e perks já robustos o suficiente para carregar toda a estação nas costas.


Também não ajuda que cinco dos dez finais do jogo não são definitivos: embora narrativamente representem um ponto final nessa história e os créditos rolem, o jogo não faz o suficiente para satisfazer o jogador com a conclusão que ele atingiu e torna fácil demais voltar para concluir tudo. Diria que até espera isso do jogador, com o DLC que contém o ‘true ending’ - que, apesar da sequência final bonita, exacerba todos os defeitos do late game - fazendo muito mais sentido se você tiver concluído todo o resto do jogo, e, ainda assim, acho que entrega um final menos interessante e impactante do que o do jogo base. Não diria que Citizen Sleeper peca pelo excesso, e sim o contrário: a carne do jogo, que deveriam ser os diálogos, completamente lineares; seu Sleeper, sua condição e seus recursos jamais sendo afetados por algo que ele decide ou diz durante eles. O jogo não conseguiria incorporar bem finais mais definitivos de fato sem dar uma capacidade de expressão satisfatória para o jogador.


O elefante na sala é óbvio: Citizen Sleeper nasceu e vive sob a sombra de Disco Elysium. Evitar comparações é impossível, e é um embate duro para qualquer um que queira brotar de um jogo um em um milhão como ele. Ainda que Citizen Sleeper tenha uma escrita cativante pela eficiência em que consegue puxar emoções de clichés sci-fi, não só lhe faltou um pingo de excelência, quanto também precisa desesperadamente de um revisor - não faço ideia como não corrigiram a gama enorme de erros ortográficos e pontuação bizarríssima que detona com a prosa do jogo. As palavras podem ser bonitas, mas o ritmo é constantemente falho, o que deixa um gosto ruim na boca. Ainda assim, Citizen Sleeper sabe, ainda que por pouco tempo, brilhar excelentemente, e representar muito bem esta narrativa através de suas mecânicas. Fico interessado na continuação.

Reviewed on Jul 02, 2023


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