saintfrog
Blessed be his name.
(ele/dele)
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Por quê, então: mais um shooter de terceira pessoa amaldiçoado com crafting, elementos roguelite de conteúdo infinito, sistemas de “RPG” vestigiais que só servem pra alimentar os cabras mais famintos por dopamina que tem por aí. Nada diz “explorar um inferno brutalista não-euclidiano que é fisicamente e emocionalmente labírintico” como equipar seu personal mod lvl 4 +13% fart rate. O próprio ato cansado de apontar e atirar é ressignificado em sarcástica lógica circular: o supremo Objeto de Poder é uma pistola que… atira nas coisas. Quando a maioria das suas opções de interagir com horrores além de sua compreensão são sentar chumbo neles ou dar um dash até eles, tem alguma coisa errada.
Uma pancada estética muitíssimo memorável, carregando por aí um corpo do gênero mais cansado dos últimos 15 anos. Pô, eu jogo feliz qualquer bobagem que for bonita desse jeito - o choro é pelo que podia ser.
Infelizmente, insiste contra sua própria forma através de meta-objetivos diversos e conflitantes - você quer jogar pela diversão, pelo score, ou pra passar de fase? Idealmente, essas respostas viriam da mesma via: tudo ao mesmo tempo. O jogo, porém, te bota pra jogar de formas bem distintas conforme o objetivo, com a liberação de novas fases sendo dependentes de desafios que provocam repetição desnecessária e quebra do fluxo do jogo - até fazer pazes com tudo que precisava pra liberar a fase final, não estava me aproveitando. Cortar itens de uma lista semi-arbitrária é uma melodia muito oposta ao ritmo frenético da arena.
Por trás das arenas, um pano de fundo de uma distopia fascista aparece exatamente o quanto precisa para estabelecer um tom aterrador à toda a razão da sua personagem de engajar nessa furada. Felizmente, por enquanto, o esporte de patins ao alvo segue sendo fictício, e instrumentalização de violência corporal como entretenimento é apenas uma noção fantasiosa. Lacradas à parte; é um bom jogo se você é desses nerds que gostam de platinar S-rank todas as fases de olhos vendados.
É uma pena que apesar de suas inúmeras qualidades técnicas, eu não tenha me conectado emocionalmente com a história do jogo. Me importei com poucos dos NPCs e os mantinha vivos com base na sua utilidade, e não afeição. Ao começar o jogo, empolgadamente mudei a linguagem para português - e dei de cara com um texto que muitas vezes parecia ter sido traduzido do inglês, com até algumas expressões idiomáticas de gringo. Não questiono a brasilidade de Unsighted, porém achei o seu diálogo mais próximo de um desenho americano do que de uma história brasileira sobre resistência - e o que estava escrito não me cativou, ainda que a quase inevitável morte orgânica de personagens tenha ajudado muito em dar mais peso à narrativa.
Como nosso cenário de game dev é consideravelmente mais novo e humilde do que de outras potências, é claro que existe um bairrismo: às vezes, consideramos jogar um jogo porque ele é brasileiro, e não pelo que ele oferece como obra. Unsighted é um caso que não precisa de justificativa - duas mulheres brasileiras conseguiram fazer perto do impossível e produziram, quase sozinhas, um dos metroidvanias mais completos e polidos que se pode encontrar na feira. É uma conquista magnífica, que ajuda a solidificar nossa presença na arte e convence mais gente a botar a mão na massa.