Relaxamento e meditação via fomento da expressão artística encarnado na forma de um Zelda-like. A pintura é tudo: mecânicas de movimentação, escape criativo, paralelos e metáforas, e o que corre no sangue de todas as fofinhas criaturas com nome de comida que aqui habitam - todas suas aplicações são dadas seu devido valor, o tempo para cheirar as rosas e desenhar um pintinho aqui e lá tão importante para a aventura quanto as provações que nossa heroína enfrenta. O co-op apenas eleva a experiência: arte é melhor quando partilhada, afinal. E é através dos pastéis e das aquarelas, dos rabiscos ociosos e das obras de arte comedidas, que trilhamos uma jornada quase-épica contra a síndrome do impostor e danosas relações parasociais.
Lá para o final, vira basicamente isso aqui.

Nessas rochas há textura inigualável. Em cores perfeitamente vibrantes e iluminação impecavelmente calibrada, Jusant reproduz, em natureza morta, um poderoso senso de melancolia sem precisar de nenhuma palavra. A pedra respira, sua história sendo anunciada pelos lagartinhos e insetinhos que rastejam corriqueiros por ruínas - natureza morta para uns; vida borbulhando, timidamente, para outros. Cabe a você, cuja única ferramenta sendo uma que força contato direto com a torre, cara na pedra, trilhar pela lenta e anunciada tragédia de quem te antecede. A fisicalidade dos controles transmite, com simplicidade, um universo. Sua trilha sonora, docemente dotada pela textura de tudo que o vento e o sol tocam, eleva a jornada para os céus.

E é assim, através da soma de todos seus fantásticos elementos, que Jusant constrói o amâlgamo sensorial desta escalada - serena, melódica, desesperadora, estressante, esperançosa, e acima de tudo, linda.

Passagens multimídia encobertas por uma maravilhosa nevóa difusa entre tosco e noir; brutalismo usado como fonte de horror e adoração; tour de force de direção artística alimentado por sombras afiadas e iluminação impecável; um pacotinho de controles e poderes que flui de forma magnífica entre um e outro.

Por quê, então: mais um shooter de terceira pessoa amaldiçoado com crafting, elementos roguelite de conteúdo infinito, sistemas de “RPG” vestigiais que só servem pra alimentar os cabras mais famintos por dopamina que tem por aí. Nada diz “explorar um inferno brutalista não-euclidiano que é fisicamente e emocionalmente labírintico” como equipar seu personal mod lvl 4 +13% fart rate. O próprio ato cansado de apontar e atirar é ressignificado em sarcástica lógica circular: o supremo Objeto de Poder é uma pistola que… atira nas coisas. Quando a maioria das suas opções de interagir com horrores além de sua compreensão são sentar chumbo neles ou dar um dash até eles, tem alguma coisa errada.

Uma pancada estética muitíssimo memorável, carregando por aí um corpo do gênero mais cansado dos últimos 15 anos. Pô, eu jogo feliz qualquer bobagem que for bonita desse jeito - o choro é pelo que podia ser.

Carnificina rítimica: uma série de mecânicas pequena, mas robusta, que as põe para trablhar em conjunto com o intuito de criar um loop instigante de pequenas decisões imediatas - basicamente, por alguns momentos, é o ideal platônico de fluxo em gameplay que muitos jogos de ação/arcade buscam. Rollerdrome, em ideia, é brabo assim. Na prática, porém, senti que faltou um encaixe melhor no papel de skill moves no todo - executá-las é vezes divertido, vezes irritante, e engajar com o sistema não é tão recompensante quanto o esforço de ocupar RAM cerebral com as receitas de manobra durante o tiroteio.

Infelizmente, insiste contra sua própria forma através de meta-objetivos diversos e conflitantes - você quer jogar pela diversão, pelo score, ou pra passar de fase? Idealmente, essas respostas viriam da mesma via: tudo ao mesmo tempo. O jogo, porém, te bota pra jogar de formas bem distintas conforme o objetivo, com a liberação de novas fases sendo dependentes de desafios que provocam repetição desnecessária e quebra do fluxo do jogo - até fazer pazes com tudo que precisava pra liberar a fase final, não estava me aproveitando. Cortar itens de uma lista semi-arbitrária é uma melodia muito oposta ao ritmo frenético da arena.

Por trás das arenas, um pano de fundo de uma distopia fascista aparece exatamente o quanto precisa para estabelecer um tom aterrador à toda a razão da sua personagem de engajar nessa furada. Felizmente, por enquanto, o esporte de patins ao alvo segue sendo fictício, e instrumentalização de violência corporal como entretenimento é apenas uma noção fantasiosa. Lacradas à parte; é um bom jogo se você é desses nerds que gostam de platinar S-rank todas as fases de olhos vendados.

Unsighted é completo: pixel art efervescente e cheia de vida; trilha sonora carismática; puzzles, dungeons e bosses e itens e sequence breaking até dizer chega, e com um mapa bem conectado para esbanjar tudo que você conquista durante o jogo. De diferente, oferece uma controversa - para os fracos - decisão em colocar o jogo todo correndo contra um relógio. Embora pareça muito antitética a ideia de um jogo baseado em exploração e solução de puzzles te punir por demorar, achei que foi generoso o suficiente com seus recursos para te apressar sem desespero - tive que sofrer a perda de alguns personagens, porém consegui manter os meus favoritos vivos. Seu combate desbalanceado à favor de parries dá um twist legal à jogabilidade típica desses jogos; o ato de lançar o ataque carregado após uma sequência de parries dando uma satisfação que geralmente não se tem ao ficar mordiscando bosses.

É uma pena que apesar de suas inúmeras qualidades técnicas, eu não tenha me conectado emocionalmente com a história do jogo. Me importei com poucos dos NPCs e os mantinha vivos com base na sua utilidade, e não afeição. Ao começar o jogo, empolgadamente mudei a linguagem para português - e dei de cara com um texto que muitas vezes parecia ter sido traduzido do inglês, com até algumas expressões idiomáticas de gringo. Não questiono a brasilidade de Unsighted, porém achei o seu diálogo mais próximo de um desenho americano do que de uma história brasileira sobre resistência - e o que estava escrito não me cativou, ainda que a quase inevitável morte orgânica de personagens tenha ajudado muito em dar mais peso à narrativa.

Como nosso cenário de game dev é consideravelmente mais novo e humilde do que de outras potências, é claro que existe um bairrismo: às vezes, consideramos jogar um jogo porque ele é brasileiro, e não pelo que ele oferece como obra. Unsighted é um caso que não precisa de justificativa - duas mulheres brasileiras conseguiram fazer perto do impossível e produziram, quase sozinhas, um dos metroidvanias mais completos e polidos que se pode encontrar na feira. É uma conquista magnífica, que ajuda a solidificar nossa presença na arte e convence mais gente a botar a mão na massa.

Ainda que curto, entrega quase impacto nenhum durante sua duração - é um misteriozinho bem arroz com feijão, digno de game jam, não fosse pelos assets medianos e estar num 3DS. Tenho um fraco pela movimentação por ambientes limiares em 3D desde Silver Case, mas não salvou nada aqui.

Uma fofura. Se agarra à inocência e inventividade infantil e conta uma história que tenho certeza que toda criança espevitada já viveu em sua cabeça, explicitando tudo de estúpido e belo que torna a infância uma coisa tão linda. A estética de Tokyo rural e sua paixão pelo tokusatsu amarra tudo com um lacinho de nostalgia por parte dos criadores que completa a obra como um pacote simplesmente :)

Além disso, esse jogo ter tipo 10 modelos, 5 animações, 10 ilustrações e 15 minutos de música é o tipo de encorajamento logístico que me convence que posso sim fazer muito com pouca quantidade - me falta só a qualidade.

Pra começo de conversa: uma produção muito impressionante feita por um projeto totalmente comunitário, sem CNPJs envolvidos.

Enquanto o modus operandi da maioria dos romhacks/fangames de Pokémon que estouram costuma ser corrigir algum defeito consistente da série (geralmente, a dificuldade baixa), Xenoverse procura ser acima de tudo, um jogo de Pokémon como todos os outros, abraçando todos os defeitos e qualidades da série como seus. Porta uma apresentação muito boa, e um host de Fakémons, regiões e cidades originais que cabe bem entre o acervo original, salvo algumas exceções pra melhor ou pior. Porta, também, a comum curva de dificuldade risível e uma falta de esmero notável em balanceamento dos Pokémonzinhos que aqui configuram o elenco - um tipo novo criado por estética, Pokémons com movesets inutilizáveis e distribuição de abilidades e evoluções que deixam todas as peças mais interessantes trancadas atrás de um grind incoerente. Segue uma insistência teimosa da série que o inspira, ao tornar o combate menos interessante do que ele pode ser.

Ainda assim, Xenoverse abraça um aspecto que a GameFreak cada vez mais frequentemente ignora: as raízes de JRPG do jogo. Xenoverse tem boss fights, set pieces, cutscenes como nenhum Pokémon além da 6ª geração teve, e entrega bastante na maioria delas. Isso, em conjunto com um design de rotas decente, faz com que o conjunto da obra seja não ironicamente um jogo de Pokémon totalmente original e mais interessante do que a média - certamente melhor do que o que anda saindo hoje em dia. Ressalto que um resultado destes vindo de uma equipe trabalhando 0800, com todos os envolvidos provavelmente tendo este como seu primeiro jogo, sem dúvidas configura um sucesso. Devo ressaltar também que a trilha sonora - totalmente original - bate forte demais?

O pós-game com um afavelmente cunhado “Battle Pass” mitiga alguns desses problemas, criando batalhas interessantes que estão livres de grinding maçante, porém também não vem seus defeitos - um dos piores designs de puzzle que já vi, principalmente.

A GameFreak NUNCA devia ter regredido dos sprites da Gen 5 pros 3D bunda-murcha de hoje em dia.

Já desinstalei, mas seguindo a tradição, eternizo aqui meus carinhas e carinhos.

GOAT route 1 bird

Eles sabiam o que estavam fazendo ao criar tantos símbolos parecidos com uma piroca
- diante de insígnias que portam uma associação tão clara, todavia ainda imersas em ambiguidade diante da variação de pirocas presentes, os jogadores se vêem forçados à trabalhar melhor sua comunicação, a fim de esclarescer se estão falando da piroca simplista, da piroca convexa, ou, da minha favorita, a piroca com bolas.

A verdade é subjetiva, multidimensional. A certeza do eu-jogador é falsa e seu ato uma rebeldia mecânica; tomar as rédeas de si mesmo configura um esforço desesperador. Quem vê através de meus olhos? Toda decisão que tomo é consciente? O que acontece se sou apenas um passageiro do meu piloto automático, ou de alguma outra coisa (uma ideia, uma crença, uma vontade)?

Who’s Lila levanta muito mais perguntas do que se interessa em responder, ainda que não economize em revelar, das mais deliciosas formas, faceta após faceta de seu quebra cabeça recursivo. Sabe atiçar: é misteriosa, obscura, mentirosa até, porém nunca perde o engajamento, incitando a curiosidade através de um caleidoscópio de pontos de vista que mantém um retrato da realidade que é nebuloso, vivo, em constante fermentação. Pode ser que você saia um pouco diferente disso.

Tento sempre desafiar internamente a noção de que jogos “envelhecem mal” - muitas das minhas experiências favoritas estão em jogos mais antigos até do que a minha infância, em tempos em que videogames de alto orçamento eram uma coisa muito mais arriscada e experimental do que as produções gigantescas - e, obrigatoriamente, financeiramente e artisticamente seguras - que temos hoje em dia. Chrono Trigger me intrigava porque era o contrário: um jogo mais velho do que eu, com a fama de não ter envelhecido um dia. E disso não posso discordar - consigo ver como ele foi monumental e revolucionário em basicamente todos os pilares dos RPGs modernos: ambiciosa e detalhista narrativa que se ramifica em vários galhos; um sistema de combate tão liso em sua execução que flui melhor do que muitas iterações atuais de JRPGs; um valor de produção monumental com ilustrações, músicas e gráficos icônicos e um punhado de conteúdo opcional bem escondido para quem tiver o afinco de procurar.

Porém, nada disso importa para mim se o que o jogo me apresenta não me cativa. Sinto que em sua aventura pelos globos e tempos o jogo não se dá tempo de respirar: cada personagem tem pouquíssimo tempo e conectividade com o grupo para brilhar, sempre uma nova batalha ou dungeon épica esperando o próximo momento de um trem-bala narrativo, e com o pouco tempo que tem, entregam menos ainda - o diálogo é constantemente insosso, punhadinho de tropes e frases de efeito que entram num ouvido e saem no outro, uma fachada de caráter moldado, mas não preenchida. Porque me importaria com Chrono, Marle e Lucca? Ainda mais: porque me importaria com a amizade do grupo, se sequer os vejo interagindo, se sequer entendo quem são como individuos? Nunca acreditei na amizade deles, porque o jogo não dá razão para o mesmo. Não sinto a dor deles, pois o próprio jogo não deixa com que sua aventura seja respirada e sentido: em um momento perto do final, uma das personagens descobre que sua mãe morreu tragicamente durante sua ausência; a reação dela pode ser resumida em um “oh não!”, e, se o jogador não quiser comprar um bifinho para começar a sidequest, não se fala mais nisso - o fato do jogo insistir que a personagem mais sem graça (Marle) é a companheira mais importante também é outro ponto que me deixou lelé. Até mesmo um dos pontos em que a história sim se dá o espaço para crescer, na morte de Crono, ela a faz de forma absolutamente bizarra: os stakes emocionais do retorno de Crono são totalmente minados pela quest bizarra que envolve ganhar um boneco aleatório na feira para ressuscitá-lo. Uma trilha sonora com algumas faixas melancólicas muito bonitas não conseguiu me fazer importar nem nos climaxes do jogo, ainda que o espetáculo do final (de Lavos até o adeus de Robo) tenha sido sim um dos pontos mais fortes.

Continuar descascando o jogo seria um exercício fútil diante da conclusão: eu não senti do que Chrono Trigger se trata, e não acho que o jogo fez um trabalho minimamente bom em me envolver. É uma aventura estilo sessão da tarde sobre derrotar o mal? É uma mensagem sobre a futilidade da vida e o passar do tempo, e como devemos aproveitar o que temos diante dessa inexorabilidade, assim como Robo indica no final? Não acho que o jogo tem que ser uma MENSAGEM para ser uma obra de arte que aprecio. O que espero é uma voz artística que ressoa, que me faça entender o que as pessoas por trás da criação de Chrono Trigger estavam sentindo ao fazê-lo, e o que queriam compartilhar comigo deste trabalho monumental que é produzir um jogo. Negar que há paixão no jogo seria um absurdo, e um desrespeito com o trabalho dos desenvolvedores. A triste revelação é que o jogo não me cativou. Respeito o seu legado monumental, e me dei toda chance o possível para tirar alguma pepita da alegria e emoção aqui contidos que tanto toca a quem joga; infelizmente saio de mãos abanando.

Formativo pra minha infância, mas infelizmente não me interessou muito nos tempos atuais. A apresentação, puro suco de Robot Unicorn Attack late 2000 vibes, é sem dúvidas o ponto mais forte do jogo - EXTREME FEVER é icônico pra dedéu. Ainda assim, adoro bolinhas e todas as variadas atividades que se podem fazer com elas, então ao menos vê-la quicar foi divertido pra mim em um nível primordial.

2021

Oh to be uma entidade corpórea no clippando pelas backrooms do LSD Dream Emulator

Real itch.io energy o executável chamar Untitled Unity Project.exe

Uma caixinha de surpresas: cenários oníricos em miniatura que podem ser mexidos aqui e acolá, segredos dos divertidos e sérios aos estúpidos e profundos escondidos em seus cantos. A intenção não é ser críptico, mas sim lúdico - uma caça Pascoalina para os nerds.

Gosto muito de jogos que se mostram como obras abertas, misturebas profanas de software e arte que são. Com alguns poucos assets criados e colocados aqui e acolá, aproveitando-se até dos restos indesejáveis dos engines e scripts com que temos que lutar, há como se expor um universo em um globo de neve.

Sem dúvidas, os impactos de jogar este ainda reverberarão em minha forma de intrepretar e produzir jogos. A estrutura de um antigão dos arcades é reapropriada para criar desconforto - o trilhar de seu sangue é mecanicamente e simbolicamente um ato de flagelação - para contar uma história de violência horripilante: o sangue rasteja por uma mega-estrutura abstrata construída para distorcer o que é inaceitável na polpa em que esta sociedade acredita que ela merece ser. Um ode ao jogo curto que bate pesado.