Veredito: muito, mas muito bom mesmo, e apesar disso espero que a Nintendo nunca mais faça algo assim de novo.

Zelda: Breath of the Wild lançou em 2017 e é um dos melhores jogos que já joguei. É o típico caso de um jogo cheio de problemas, PRINCIPALMENTE de escopo, mas que a gente perdoa por causa do nível ridículo de ambição do projeto, e pelo tanto de coisas que ele faz bem feitas. Tears of the Kingdom, que lançou em maio deste ano e que tou jogando praticamente sem parar desde então, é... bom, ele é Breath of the Wild 2.

Não é só uma continuação direta da trama, mas sim uma continuação direta, ponto. Pra todos os fins.

Deixando todo o fanatismo da internet (contra e a favor do jogo) de lado, ele começou como uma expansão do Breath, que meio que foi ficando grande demais e acabou virando um jogo separado. E dá pra ver. As mecânicas básicas são as mesmas, a física é a mesma, o mapa é o mesmo, os povos são os mesmos, os colecionáveis são idênticos (prepare-se para mais shrines, koroks e fotos pro compêndio), quase todos os inimigos se repetem, inclusive minichefes, e você tem de novo 12+1 memórias pra coletar e 4 dungeons principais - que por sinal estão nos exatos mesmos lugares do jogo anterior - antes de encarar a dungeon final.

Mas tudo aqui é maior, é mais ambicioso ainda. É como se a equipe olhasse pro Breath e pensasse "É, até que ficou legalzinho, MAS AINDA NÃO FICOU BOM O BASTANTE, bora fazer de novo maior e melhor!" e daí foi lá e fez exatamente isso.

O mapa foi mais que duplicado: temos, além do mapa básico que é o mesmo do Breath, também o que seria um Dark World do ALttP/Lorule do Between Worlds/futuro do Ocarina, sem contar também várias ilhas voadoras no céu. As 4 habilidades básicas do Breath? Substituídas por 4 novas que não só fazem praticamente tudo o que dava pra fazer antes, mas transformam o mundo num verdadeiro parquinho. Sério, tem gente na internet construindo UM FODENDO METAL GEAR FUNCIONAL usando a Ultrahand e os zonai devices. O combate e travessia foram expandidos absurdamente com a Fuse e a Ascend. Poder arremessar materiais com as mãos e flechas faz Breath parecer um beta. Se você souber usar a criatividade, poder rebobinar os objetos com a Rewind trivializa combates e puzzles de forma brilhante. Essa é a chave do sucesso do Tears: ele te dá todas as ferramentas pra você transformar o mundo no seu baú de brinquedos, e fala:

- Seja feliz!!!!

E você é feliz, MUITO FELIZ... Por um tempo. Vamos falar logo dos tais problemas de escopo, pra eu poder voltar a elogiar o jogo.

Infelizmente todos os defeitos de Breath voltam. E com a ambição ainda maior do jogo novo, eles voltam SEM DÓ. Cedo ou tarde, chega uma hora que bate o cansaço do mundo aberto gigantesco, e bate PESADO. Depois de quase 300h brincando em Hyrule, 152 shrines, 120 lightroots, mais da metade dos koroks, quase todas as roupas/armaduras, de upar elas até mais da metade do que o jogo permite, pegar quase todos os tecidos de paraglider, ajudar o Addison com quase todas as plaquinhas, fazer todas as sidequests fora umas 10, encontrar todos os poços exceto 2, fazer todas as side-adventures, completar o compêndio com fotos de todas as armas, animais, monstros, chefes e minichefes, materiais e tesouros, raidar praticamente todas as cavernas e acampamentos inimigos, matar quase todos os minichefes... o jogo me fala que fiz pouco mais de 80% do conteúdo dele.

E sinceramente, tou bem cansado. Foi bom, foi gostoso, mas eu não aguento mais. O problema todo não é o jogo ser imenso. O problema é que, assim como Breath, ele NÃO TEM VARIEDADE SUFICIENTE que justifique o tamanho absurdo dele.

Os koroks? São 1000 no total, sendo que eles param de ser úteis (servem pra aumentar o espaço no inventário) depois dos 400 e poucos. Mas o pior mesmo é a repetição, porque só têm uns 20 jeitos diferentes de encontrar um korok. Então se prepare pra fazer os mesmíssimos mini-puzzles centenas de vezes, ou pra ser forçado a levar pouca arma e sofrer bastante na 2ª metade do jogo.

Shrines? São ótimos, certo? Afinal, são micro-dungeons que balanceiam bem o ritmo da exploração do jogo, além de te deixarem mais forte e servirem de pontos de teletransporte. Pois é, pena que se repetem demais. Vários são únicos, mas também existem 2 ou 3 tipos de shrine que o jogo recicla O TEMPO TODO sem vergonha nenhuma. Não aguentava mais entrar cheio de curiosidade num shrine inédito pra mim e ver que fiquei pelado MAIS UMA VEZ. Chegou uma hora que eu tava o próprio meme do C.J. pensando "ai, merda, lá vamos nós de novo".

Side-quests? Menos de 10 valem a pena. E o jogo deve ter algumas centenas. Minichefes? Todos os 6 são excelentes, sendo 3 chupinhados do Breath. E se prepare pra enfrentar todos umas 500 vezes. Encarar um frox pela zilhonésima vez não é legal, NÃO IMPORTA o quanto froxes sejam inimigos bem projetados.

Têm muitos e muitos outros exemplos, mas acho que deu pra entender. Zelda precisava ter cozinhado muito, mas MUITO mais variedade dentro das mesmas ideias antes de sair do forno. Todos os shrines, koroks, minichefes etc precisavam ser únicos. Não tem jeito de contornar isso: ele é vítima do próprio escopo, e você vai cansar.

Pra piorar, com as ideias novas vieram também novos problemas. A física excelente foi refinada e melhorada graças aos zonai devices, mas a câmera ficou um lixo. O jogo lá pelas tantas coloca companions opcionais pra lutarem ao seu lado, mas não tem outro jeito de falar isso: a IA deles é uma MERDA e você constantemente vai desligar os companions de propósito só pra eles pararem de te atrapalhar. A história em geral é muito melhor, mas ela agora vai completamente contra a ideia de mundo aberto, além de ter um milhão de buracos. Sério, todo mundo que eu conheço sacou bem no comecinho qual era o grande plot twist do final. E a dissonância ludonarrativa vem com força. É extremamente irritante eu estar com a Espada Mestra pendurada nas costas e saber exatamente onde está a Zelda - porque o jogo já mostrou explicitamente isso pro Link numa cutscene - e mesmo assim todos os personagens NÃO PARAREM DE FALAR que eu preciso encontrar a princesa e pegar a espada. Não dá pra perdoar o quanto TODOS OS PERSONAGENS INCLUSIVE O LINK precisam ser completamente idiotas e tapados só pela conveniência do roteiro.

Mas apesar de tudo... a história realmente é muito melhor, e isso porque a do Breath já era ótima. O vilão agora é um personagem de verdade e bem completinho. A Espada Mestra tem um arco super interessante entre a introdução e a batalha final. O rei de Hyrule tem profundidade, motivações, relacionamentos reais. A princesa Zelda é alguém com medos e esperanças muito acreditáveis, mais ainda do que era no Breath, onde ela já era uma personagem ótima.

E por mais que o jogo tenha problemas indesculpáveis de escopo, não dá pra negar que isso foi em troca de um mundo aberto muito bem feito e de uma missão principal divertida e mega épica. Por mais que os shrines repetidos sejam um saco, os shrines únicos são muito, mas muito bons mesmo, e em todos os casos IR ATÉ O SHRINE é sempre uma delícia. Ir até qualquer lugar é uma delícia. O fato de serem só 4 dungeons incomoda DE NOVO (tanto Tears como Breath precisavam de NO MÍNIMO umas 10), mas elas são bem melhores do que as 4 de antes, e os chefes são todos incríveis.

Acaba não incomodando taaaaaanto assim quando você encontra um acampamento inimigo que não vai te recompensar com nada interessante, porque o ato em si de encontrar e raidar o acampamento foi bom.

- Agora vou de Lookout Landing pra Vila Kakariko e depois pro pico do Monte Lanayru.
[após um "pequeno" desvio de rota e depois de mais de 2h, vários shrines e koroks e minichefes e poços e cavernas aleatórias]
- ...pra onde eu tava indo mesmo? Eu tinha alguma coisa pra fazer em um lugar específico, não tinha?

E essa sensação é maravilhosa.

Tears pega a base do Breath e leva até a conclusão lógica do que era pra ser uma DLC que cresceu demais: ficou ainda maior, ainda mais parrudo, ainda mais ambicioso. E vou falar que eu gostei MUITO do resultado final. Problemas e tudo.

Duvido que eu fosse conseguir tankar um Breath 3. Depois de tankar o 2, preciso dar um tempo de jogos que exigem jornadas imensas antes de poder zerar. Acho que preciso de um descanso de jogos, na real, vou ali ler um Sherlock Holmes, um Harry Potter, um Pedro Bandeira, sei lá. Foi muito exaustivo, e espero de verdade que o próximo Zelda não seja tão derivativo quanto este aqui foi, porque aí realmente não vai dar pra defender. O 1 foi bom, o 2 foi melhor ainda e conseguiu segurar as pontas mesmo com tanta coisa igual... mas um 3 vai ser inviável. Tá na hora de criar coisas novas usando a mesma fórmula, como Zelda sempre fez, e não ficar só repetindo a fórmula e achando que já tá bom. Mas se eu disser que não gostei, que essas quase 300h não foram MUITO BEM GASTAS e que eu não tava MUITO FELIZ durante elas, porra, isso seria uma mentira deslavada.

PS: Esqueci de comentar na review, mas esse jogo é um milagre técnico. Ele conseguir EM ABSOLUTO rodar no Switch já é bruxaria por si só. Ele rodar em 30 quadros por segundo quase que cravados, com aquele tanto de coisa na tela, especialmente quando você tá voando por aí numa motoca aérea? E isso num tablet que já lançou obsoleto mais de 6 anos antes? Pura magia negra. Não tem outra explicação.

Reviewed on Jul 29, 2023


23 Comments


8 months ago

Tive a exata mesma sensação. Breath of the Wild foi o jogo da minha vida quando joguei, e esse eu achei melhor em vários aspectos, então faz sentido o ToTK ser o jogo da minha vida... Mas quero que os próximos títulos de Zelda sejam diferentes. Por mim, manteria o mundo aberto, mas sem essa pegada "Ghibli", sei lá.

Tô sentindo que eu vou gostar mais do Baldur's Gate 3 do que Tears of the Kingdom, e se isso acontecer mesmo, vou repensar todos os meus jogos favoritos e refazer a lista hahaha

8 months ago

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8 months ago

@lukehxh HAHAHAHAHA

Os criadores dos Zeldas atuais já deram entrevista que a fórmula criada pelo Breath vai continuar pela franquia até 2ª ordem. A priori não vejo problema, contanto que não seja derivativo igual o Tears foi.

Wind Waker e Skyward Sword por exemplo são evoluções da fórmula do Ocarina, mas usam essa fórmula pra criar um jogo completamente novo. Espero que comecem a fazer isso com a fórmula do Breath, em vez de ficar sempre reaproveitando o mesmo mapa e personagens ad eternum. XD

8 months ago

@CDX Realmente... Acho que o que mais me incomoda no formato atual não é nem a repetitividade, e sim o fato de ficar caçando memória, e não vivendo realmente a história do jogo. Se eles conseguirem fazer a história um pouco mais viva nos próximos, já tá perfeito pra mim

8 months ago

Análise extremamente bem colocada mano, admito que senti que eu teria gostado muito mais se não tivesse jogado o Breath of the Wild exatamente pela repetição e pelo mundo, que mesmo com suas alterações ainda senti que ele meio repetitivo demais pra mim, admito que até me senti meio errado por n ter gostado visto o quão aclamado ele foi, eu AMO e reconheço a importância de BotW, tanto pra Zelda quanto pra os jogos num geral mas infelizmente não me entrou, senti falta da diferença entre os dois Zeldas por console, Majora's Mask e Ocarina of Time, Twilight Princess e Skyward Sword e tal. Até gostei do jogo, mas senti falta de uma diferença majoritária além de uma evolução em escala dada ao conhecimento do time tanto da comunidade, a vontade dela e a capacidade dela de sempre fazer coisas maiores, quanto do conhecimento da própria Engine do jogo

pra mim TotK é um jogo que eu consigo reconhecer que é bom e consigo claramente ver as qualidades que ele tem, mas admito que talvez não seja pra mim no momento

8 months ago

@FKLR Pra mim ajudou muito o tempo que dei entre um e outro. Joguei Breath quase no lançamento, no comecinho de 2018, e agora o Tears mais de 5 anos depois. Como também passei uma eternidade no Breath até zerar e praticamente foi o único jogo que joguei na época, incansavelmente, eu agora lembrava mais ou menos bem dele mas não de forma que o Tears tenha me incomodado.

Se eu tivesse emendado um com o outro PUTA MERDA acho que eu não aguentaria não. XD

8 months ago

@lukehxh Te falar que caçar memória não me incomodou. Gosto muito quando um jogo recompensa minha exploração com lore. Me incomodou sim foi serem poucas praquele mundão gigante. Bem parecido com o que rolou com as dungeons principais.

8 months ago

Nem imagino o burnout que deve ser ir do Breath pro Tears agora que já existem ambos. Quem tiver começando e gostar muito do Breath vai querer logo pular pra ele, que provavelmente vai ser o meu caso, caso eu realmente goste do Breath quando eu for jogar. Tem que saber dosar pra não arruinar uma potencial experiência incrível.

8 months ago

@Hunyoshi O mais provável na real é que tu termine o Breath já meio cansado, hahaha, e depois dele resolva ir jogar outras coisas mais leves pra "descomprimir".

8 months ago

Eu demorei quase 2 meses nesse game e sinto que não fiz metade do jogo. Entao queria terminar o game pra jogar outras coisas...mas ao mesmo tempo, eu achava muito gostoso jogar e explorar o mapa (nem tanto as profundezas, la eu achei meio chato mesmo). 2 jogo de mundo aberto esse ano ja ta bom demais ne :v

8 months ago

Lendo sua Review enquanto tomo meu cafezinho ☕

8 months ago

@RicardoEDR EXATO!!! (tirando que realmente gostei das dephts)

Maneiro que o @j4ckshow já abre o site de manhã pensando "oba, uma review do CDX pra ler, vou começar bem meu domingo" hahahaha! XD ❤️

8 months ago

@CDX exatamente esta vibe, tal como ver o jornal matinal!

8 months ago

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8 months ago

@j4ckshow Pelo menos nas minhas reviews não tem notícia de tragédia. =P

Exceto quando eu jogo coisas ruins

8 months ago

@CDX é exatamente ai que mora o meu erro, comecei uma nova jogatina de Breath of the Wild pra chegar tinindo em Tears of the Kingdom e o cansaço que me deu mal me permitiu passar das primeiras 5h de jogo

Em breve eu quero dar outra chance e espero me impressionar como BotW, mas por enquanto n tem como não 💀

8 months ago

@FKLR "Erro de principiante" que chama, né? =P

Esquenta não. Volta daqui a uns 5 anos e tenta de novo.

8 months ago

Excelente texto. Colocou bem como estou me sentindo jogando, de forma que quando eu for escrever sobre não tem tantos pontos que eu adicionaria hahaha.

Estou jogando bem devagar e me divertindo muito, mas não estou sentindo um estímulo para continuar. Toda vez que sento para jogar fico horas seguidas e saio satisfeito, mas depois eu não sinto aquele tesão de “quero jogar zelda, preciso jogar zelda”, a ponto de ficar semanas sem nem relar no jogo. Eu estou gostando mais do que de BOTW, mas ao mesmo tempo enquanto eu zerei aquele em uma semana, já faz quase três meses que comecei este novo e estou nem na metade com 40 horas. Uma sensação bem esquisita, acho que esses 6 anos me mudaram bastante haha

8 months ago

@ventoforteN O segredo é: se começa a bater a fadiga, parte pras main quests E FODA-SE.

Não compensa muito ficar fazendo shrine e subterrâneo quando eles começam a ficar muito menos engajantes que a história principal. (até porque ela é bem maneira)

8 months ago

Isso que acho paia, não é legal um game que é literalmente a mesma coisa do antecessor ganhar GOTY não.

8 months ago

@yLucas GOTY é sempre uma merda mesmo.

8 months ago

@yLucas Mas aí tu tá partindo do princípio que a The Game Awards é uma premiação séria que deve ser levada a sério. E não um show de horrores anual que deveria ser motivo de chacota pra toda a comunidade. 👀

8 months ago

@ventoforteN Você descreveu exatamente o que eu senti! Enquanto jogava curtia muito mas quando parava não dava aquele desejo de voltar. Acho que é pela história ser bem fraca e eu não ter a sensação de descoberta por já conhecer o mundo.

7 months ago

Joguei por dois meses sem parar e não gostei tanto, imagina fazendo quase tudo como você!
Que essa base do BOTW faz com que o jogo já seja minimamente bom é verdade. Mas acho que as coisas novas e o quão eu não gostei delas acabou superando. Lendo aqui só fiquei pensando o quanto eu queria ter gostado como você

7 months ago

@noventaporcento Cara, com o tanto que esse jogo é exaustivo e sem a variedade que precisava, super normal tu não ter gostado tanto. O negócio é apontar os problemas dele e torcer pro próximo Zelda aprender com os erros dele e do Breath.