Gastei algumas horas tentando entender os diálogos do jogo pra depois sacar que eram feitos por um gerador de texto aleatório. Papo de gênio isso aqui.

Normalmente, games tipo Alan Wake fogem do meu radar porque não costumo aguentar jogos de terror. O que me inspirou a dar uma chance para a franquia foram os muitos comentários positivos feitos à sua sequência. Simplesmente não me segurei de curiosidade e senti que deveria ao menos experimentar o que a obra tinha a oferecer.
Em um primeiro momento, me atraiu a construção de mundo do jogo. Não sei exatamente o porquê, mas sinto que existe algo de aconchegante (de um jeito bizarro) em histórias que se passam em pequenas cidades que guardam grandes segredos. A atmosfera de mistério em Bright Falls, aliás, é uma constante que consegue construir bem um clima de ansiedade no jogador, de modo que há uma sensação incômoda de que "há algo de errado acontecendo, embora não saibamos precisamente o que seja”. Essa sensação, justamente por ser uma constante, contribui muito para a construção dos elementos de tensão da trama, possuindo suas inspirações óbvias tanto nos livros de Stephen King (o que é explicitamente dito pelo game), mas, também, em tropos muito clássicos do horror cósmico lovecraftiano.

A narrativa, seguindo tal contexto, será desenvolvida tendo uma misteriosa “Presença Obscura” como base e vilã do game, embora Alan, o protagonista, não tenha muito interesse em desvendar a natureza desse ente (senão naquilo que for estritamente necessário para salvar Alice, sua esposa).

Como a obra opta pelo uso da Escuridão como antagonista, o jogo vai se valer de diversas metáforas com esse conceito. A principal delas está no modo como a história se desenvolve. Sendo Alan um escritor muito renomado, um dos grandes comentários do jogo está situado na relação autor-obra a partir de um recorte de criador-criatura. Ou, em outras palavras, o criador é responsável por conceber a obra – por jogar nela as suas luzes e retirá-la da escuridão. É interessante que, em Alan Wake, esse comentário assume um viés bastante concreto, pois suas palavras literalmente se convertem em verdades palpáveis no mundo do jogo. É o poder da criação sendo exercido em seu grau máximo e assumindo até mesmo tons divinatórios a partir do protagonista.

Nem preciso dizer que a história é o grande ponto forte do game; todavia, acho que, em algumas circunstâncias, o roteiro optou por escolhas feitas por pura conveniência de gameplay – o que acabou enfraquecendo, ao menos pra mim, alguns elementos da narrativa. Quando parei para analisar friamente alguns aspectos da história, percebi que muitos deles simplesmente não faziam sentido ou que, pior ainda, estavam lá apenas para justificar algumas sessões de gameplay desnecessárias.

E, infelizmente, Alan Wake, apesar de ser um jogo curto, poderia facilmente ser muito menor. Os episódios 2 e 3 (principalmente) possuem muitos espaços nulos que, com o tempo, só ficam chatos de serem jogados. A história, em diversas oportunidades, é sacrificada para justificar alguma missão inútil de gameplay. É como se o game quisesse se justificar a todo momento enquanto tal; como se, por ser jogo, precisasse necessariamente ter “muito gameplay” ou “ser divertido”.

Mecanicamente, Alan Wake é apenas competente. A obra relega o jogador a repetições sem graça com os mesmos inimigos e contém puzzles bem fracos. Nessa questão, o game só vem apresentar melhoras substanciais com o segundo DLC, quando então falta pouca coisa para fazermos nele.

No geral, tive uma experiência boa com Alan Wake, mas nada muito marcante. Irei continuar no remedy-verso porque ainda estou muito curioso para jogar Alan Wake II, mas, se dependesse somente desse primeiro game, não veria motivos pra seguir nessa franquia.

This review contains spoilers

Tive o privilégio de conhecer Monotonia desde sua primeira versão, quando o jogo estava para concorrer na One-button Jam. Já naquele tempo, eu havia gostado bastante das temáticas que o game tinha se proposto a trabalhar; não sem razão estava ansioso para experimentar essa nova versão da obra – especialmente considerando que a equipe de desenvolvedores não mais estava submetida ao aperto dos prazos de uma Jam.

Felizmente, não me decepcionei com o resultado final. Em um primeiro momento, saltam aos olhos as melhorias feitas em todas as instâncias do jogo e o esmero empregado pela equipe do GDH Studio em sua feitura.

Dito isso, do meu ponto de vista, o principal atrativo do game é a excelente articulação de suas partes em torno da mensagem da obra. Monotonia, nesse sentido, faz críticas duras, porém certeiras, ao modo de produção capitalista, retratando a realidade de um trabalhador precarizado cuja tarefa é a de produzir energia para uma grande empresa: a Human and Power. O jogo centra-se no fordismo como ponto de partida para elaborar sua crítica, a qual se enraíza, sobretudo, na categoria marxiana da alienação do trabalho.

É bom ressaltar que diversos jogos já incorporaram questionamentos desse tipo em suas narrativas. Em certo trecho de ‘What Remains of Edith Finch’, por exemplo, o jogador é colocado para acompanhar a sina do personagem Lewis Finch – que perpassa por um processo de profunda alienação – na medida em que é condenado a um trabalho repetitivo numa fábrica de conservas de peixe. Se ‘Edith Finch’ me parece uma das grandes inspirações de Monotonia, é também certo que o GDH Studio soube abordar e expandir o assunto à sua maneira, de modo a trabalhar mais profundamente a temática a partir de seus próprios méritos. O que quero dizer com isso é que Monotonia não se esgota em suas inspirações e consegue tratar seu objeto com originalidade.

Gostei muito, por exemplo, da forma como o jogo constrói metáforas de poder e faz contrastes interessantíssimos com elas. Existe, nesse contexto, uma ironia fina que é exposta principalmente a partir da língua inglesa. É que controlamos um trabalhador que produz energia elétrica – ‘power’, em inglês, que também significa ‘poder’ – ou seja, o jogo faz uma brincadeira semântica com a dualidade de sentidos que a palavra “power” contém no inglês, de modo a elaborar um comentário ácido sobre a situação vivida pelo personagem. Explicando melhor, ao mesmo tempo em que o trabalhador produz o “poder” com a força de seu trabalho, é despido dele por não ser detentor daquele meio de produção.

Tal contradição é tornada ainda mais evidente pela forma com que jogador é colocado para produzir energia elétrica, pois mal conseguimos pagar a própria conta de luz nas sessões de descanso, apesar de trabalharmos diretamente com a produção dessa energia. Monotonia, desse modo, retrata bem fielmente o processo de funcionamento de extração do mais-valor do trabalho, emulando bem as frustrações de todo trabalhador no dia a dia.

Por sinal, cabe dizer que as pausas de descanso entre os meses trabalhados foi uma das excelentes adições da versão Primeiro Contato. Fiquei, durante todo o gameplay, bastante ansioso para saber as notícias do jornal do dia – que ajudam na construção da diegese da obra – mas, também, curioso para receber as cartas misteriosas, sejam as da Human and Power, sejam as de nossos camaradas (estes que são um claro easter egg do jogo Un-battle Royale, do mesmo Studio).

Aliás, vai ser nessas sessões de descanso entre os meses que boa parte da narrativa do jogo irá se desenrolar. É bem satisfatório como Monotonia não se contenta em apresentar o problema, mas também propor soluções. Quando recebemos a primeira carta misteriosa de nossos camaradas, o jogo aduz abertamente que a organização da classe é a forma mais efetiva de lutar contra a exploração retratada. Daí caberá ao jogador abraçá-la ou não, escolha essa que irá afetar significativamente o final.

No que diz respeito à direção de arte, a primeira versão de Monotonia já apresentava uma proposta promissora em tal nicho, que foi agora melhor desenvolvida em Primeiro Contato.

Partindo de tropos muito conhecidos do terror, o jogador é posto em uma sala escura, com acesso apenas a um console frio e metalizado onde é desenvolvido o gameplay. Chama a atenção a maneira como o game faz uso do conceito de ‘ausência’ na construção de sua simbologia opressiva, relacionando-a com um elemento de desconforto que subjaz na disposição dos elementos da tela. Em outras palavras, tal desconforto advém da sensação de vazio representada, de modo visual, pelo fundo obscurecido. É como se aquele trabalhador fosse forçado a olhar para o abismo, que ocasionalmente acaba por encará-lo novamente por meio dos olhos raivosos que irrompem da escuridão. A ausência de poder e de futuro de toda uma classe de gentes é, portanto, muito bem traduzida esteticamente a partir do espaço vazio literal posto em tela. Essa representação é ainda mais competente se considerarmos que o desgosto de ser submetido a esse tipo trabalho combina perfeitamente com a paleta de cores lavadas escolhida para a obra – como se tudo perdesse o sabor, as cores, em Monotonia, também estão mortas (ou, melhor ainda, monótonas).

Falando um pouco da trilha sonora, penso que foi muito eficiente em passar uma sensação de apreensão. A trilha principal – WorkTime – juntamente com Hurry Up, esta tocada ao final, me deixaram com uma certa ansiedade e encaixaram-se de forma coerente com a mensagem do jogo. É certo que os diversos aspectos do game: de gameplay, trilha e direção de arte, realmente entregam uma experiência completa acerca do fordismo. Monotonia consegue passar, ao jogador, sentimentos muitos claros de desesperança e sofrimento, sentimentos estes que só são interrompidos temporariamente nos breves momentos de descanso entre as sessões, ao som da relaxante trilha Little Refuge tocada a partir de um radinho velho (isso quando conseguimos pagar a conta de energia, claro).

Para não dizer que tudo são flores, tive alguns bugs enquanto jogava Monotonia, todavia, em se tratando de um jogo curto, esses bugs não atrapalharam a minha experiência geral. E já no segundo dia de lançamento, inclusive, foi ao ar um patch que corrigia diversos dos problemas apresentados.

Sendo honesto, a minha maior questão de incômodo com o jogo foi, na verdade, o puzzle final. Acredito que a dificuldade dele era um pouco elevada demais. No meu primeiro gameplay, me frustrei por não conseguir resolvê-lo, mesmo depois de algumas horas tentando. Felizmente, essa questão já foi solucionada, na medida em que o GDH Studio, por meio de uma atualização, decidiu por torná-lo mais intuitivo (embora ainda seja desafiador, o que é bom!), de modo que consegui resolvê-lo na minha segunda tentativa.

Em suma, penso que Monotonia foi uma experiência, no geral, muito agradável e competente no que se propõe.

E, mais do que isso, uma experiência rara em certa medida.

Digo isso porque enxergo a obra como inserida em uma onda – tímida, porém existente – de jogos abertamente de esquerda e que não têm medo de se assumirem politicamente. Em uma indústria em que tropos direitistas historicamente dominam o ferramental do game design (e pior: sob os auspícios de uma falsa “neutralidade”), Monotonia é de um frescor ainda incomum e muito bem-vindo.

Enfim... joguem Monotonia! =D

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Tive o privilégio de conhecer Monotonia desde sua primeira versão, quando o jogo estava para concorrer na One-button Jam. Já naquele tempo, eu havia gostado bastante das temáticas que o game tinha se proposto a trabalhar; não sem razão estava ansioso para experimentar essa nova versão da obra – especialmente considerando que a equipe de desenvolvedores não mais estava submetida ao aperto dos prazos de uma Jam.

Felizmente, não me decepcionei com o resultado final. Em um primeiro momento, saltam aos olhos as melhorias feitas em todas as instâncias do jogo e o esmero empregado pela equipe do GDH Studio em sua feitura.

Dito isso, do meu ponto de vista, o principal atrativo do game é a excelente articulação de suas partes em torno da mensagem da obra. Monotonia, nesse sentido, faz críticas duras, porém certeiras, ao modo de produção capitalista, retratando a realidade de um trabalhador precarizado cuja tarefa é a de produzir energia para uma grande empresa: a Human and Power. O jogo centra-se no fordismo como ponto de partida para elaborar sua crítica, a qual se enraíza, sobretudo, na categoria marxiana da alienação do trabalho.

É bom ressaltar que diversos jogos já incorporaram questionamentos desse tipo em suas narrativas. Em certo trecho de ‘What Remains of Edith Finch’, por exemplo, o jogador é colocado para acompanhar a sina do personagem Lewis Finch – que perpassa por um processo de profunda alienação – na medida em que é condenado a um trabalho repetitivo numa fábrica de conservas de peixe. Se ‘Edith Finch’ me parece uma das grandes inspirações de Monotonia, é também certo que o GDH Studio soube abordar e expandir o assunto à sua maneira, de modo a trabalhar mais profundamente a temática a partir de seus próprios méritos. O que quero dizer com isso é que Monotonia não se esgota em suas inspirações e consegue tratar seu objeto com originalidade.

Gostei muito, por exemplo, da forma como o jogo constrói metáforas de poder e faz contrastes interessantíssimos com elas. Existe, nesse contexto, uma ironia fina que é exposta principalmente a partir da língua inglesa. É que controlamos um trabalhador que produz energia elétrica – ‘power’, em inglês, que também significa ‘poder’ – ou seja, o jogo faz uma brincadeira semântica com a dualidade de sentidos que a palavra “power” contém no inglês, de modo a elaborar um comentário ácido sobre a situação vivida pelo personagem. Explicando melhor, ao mesmo tempo em que o trabalhador produz o “poder” com a força de seu trabalho, é despido dele por não ser detentor daquele meio de produção.

Tal contradição é tornada ainda mais evidente pela forma com que jogador é colocado para produzir energia elétrica, pois mal conseguimos pagar a própria conta de luz nas sessões de descanso, apesar de trabalharmos diretamente com a produção dessa energia. Monotonia, desse modo, retrata bem fielmente o processo de funcionamento de extração do mais-valor do trabalho, emulando bem as frustrações de todo trabalhador no dia a dia.

Por sinal, cabe dizer que as pausas de descanso entre os meses trabalhados foi uma das excelentes adições da versão Primeiro Contato. Fiquei, durante todo o gameplay, bastante ansioso para saber as notícias do jornal do dia – que ajudam na construção da diegese da obra – mas, também, curioso para receber as cartas misteriosas, sejam as da Human and Power, sejam as de nossos camaradas (estes que são um claro easter egg do jogo Un-battle Royale, do mesmo Studio).

Aliás, vai ser nessas sessões de descanso entre os meses que boa parte da narrativa do jogo irá se desenrolar. É bem satisfatório como Monotonia não se contenta em apresentar o problema, mas também propor soluções. Quando recebemos a primeira carta misteriosa de nossos camaradas, o jogo aduz abertamente que a organização da classe é a forma mais efetiva de lutar contra a exploração retratada. Daí caberá ao jogador abraçá-la ou não, escolha essa que irá afetar significativamente o final.

No que diz respeito à direção de arte, a primeira versão de Monotonia já apresentava uma proposta promissora em tal nicho, que foi agora melhor desenvolvida em Primeiro Contato.

Partindo de tropos muito conhecidos do terror, o jogador é posto em uma sala escura, com acesso apenas a um console frio e metalizado onde é desenvolvido o gameplay. Chama a atenção a maneira como o game faz uso do conceito de ‘ausência’ na construção de sua simbologia opressiva, relacionando-a com um elemento de desconforto que subjaz na disposição dos elementos da tela. Em outras palavras, tal desconforto advém da sensação de vazio representada, de modo visual, pelo fundo obscurecido. É como se aquele trabalhador fosse forçado a olhar para o abismo, que ocasionalmente acaba por encará-lo novamente por meio dos olhos raivosos que irrompem da escuridão. A ausência de poder e de futuro de toda uma classe de gentes é, portanto, muito bem traduzida esteticamente a partir do espaço vazio literal posto em tela. Essa representação é ainda mais competente se considerarmos que o desgosto de ser submetido a esse tipo trabalho combina perfeitamente com a paleta de cores lavadas escolhida para a obra – como se tudo perdesse o sabor, as cores, em Monotonia, também estão mortas (ou, melhor ainda, monótonas).

Falando um pouco da trilha sonora, penso que foi muito eficiente em passar uma sensação de apreensão. A trilha principal – WorkTime – juntamente com Hurry Up, esta tocada ao final, me deixaram com uma certa ansiedade e encaixaram-se de forma coerente com a mensagem do jogo. É certo que os diversos aspectos do game: de gameplay, trilha e direção de arte, realmente entregam uma experiência completa acerca do fordismo. Monotonia consegue passar, ao jogador, sentimentos muitos claros de desesperança e sofrimento, sentimentos estes que só são interrompidos temporariamente nos breves momentos de descanso entre as sessões, ao som da relaxante trilha Little Refuge tocada a partir de um radinho velho (isso quando conseguimos pagar a conta de energia, claro).

Para não dizer que tudo são flores, tive alguns bugs enquanto jogava Monotonia, todavia, em se tratando de um jogo curto, esses bugs não atrapalharam a minha experiência geral. E já no segundo dia de lançamento, inclusive, foi ao ar um patch que corrigia diversos dos problemas apresentados.

Sendo honesto, a minha maior questão de incômodo com o jogo foi, na verdade, o puzzle final. Acredito que a dificuldade dele era um pouco elevada demais. No meu primeiro gameplay, me frustrei por não conseguir resolvê-lo, mesmo depois de algumas horas tentando. Felizmente, essa questão já foi solucionada, na medida em que o GDH Studio, por meio de uma atualização, decidiu por torná-lo mais intuitivo (embora ainda seja desafiador, o que é bom!), de modo que consegui resolvê-lo na minha segunda tentativa.

Em suma, penso que Monotonia foi uma experiência, no geral, muito agradável e competente no que se propõe.

E, mais do que isso, uma experiência rara em certa medida.

Digo isso porque enxergo a obra como inserida em uma onda – tímida, porém existente – de jogos abertamente de esquerda e que não têm medo de se assumirem politicamente. Em uma indústria em que tropos direitistas historicamente dominam o ferramental do game design (e pior: sob os auspícios de uma falsa “neutralidade”), Monotonia é de um frescor ainda incomum e muito bem-vindo.

Enfim... joguem Monotonia! =D

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Baldur's Gate III foi, de longe, o game que eu mais estava aguardando esse ano, muito por que já havia me tornado um fã da Larian Studios em razão do ótimo Divinity: Original Sin 2.

Após mais de 150 horas no mundo de Faerun, posso dizer com toda certeza que esse jogo é um feito raro. É verdadeiramente inacreditável o cuidado utilizado no world building e na construção dos personagens, a ponto de reconhecer que ficarei com saudades da história que construí junto a meus companions e, por que não, da pessoa de cada um deles.

Todos os personagens principais do game possuem muita densidade e tramas particulares que investem o jogador em suas histórias. Me preocupei, por exemplo, se Astarion conseguiria quebrar o jugo de Cazzador, se Gale e Karlach conseguiriam sobreviver a suas condições periclitantes, ou, ainda, se os githyianki conseguiriam se libertar de Vlaakith.

Mas o que me impressionou bastante é que Baldur's Gate III, contrário a um movimento crescente em jogos Triple A, não tem medo de se assumir enquanto jogo, e de, consequentemente, abraçar convenções do jogo. É um game, em outras palavras, que não está muito preocupado em emular tropos cinematográficos hollywoodianos para emular uma falsa erudição. A forma com que o game abraça o caos criado por seus jogadores, inclusive, torna a experiência lúdica da obra algo a ser destacado e celebrado.

Terminei o jogo com um gosto de "quero mais" no céu da boca, todavia, é preciso reconhecer que há vários problemas nele. Quero destacar três deles.

Primeiramente, existe uma quantidade razoável de bugs, sobretudo no ato 3, que realmente impactam a experiência como um todo. Muitos desses bugs atrapalham inclusive o andamento da história, embora a Larian esteja fazendo um trabalho estupendo na resolução de vários deles.

Um segundo problema é o de que, infelizmente, não gostei do final; considero ter alguns lapsos de escrita terríveis na história. A sensação que passa é que foi elaborado de forma corrida, um erro muito grande em se tratando de uma história com tantos pontos positivos.

Por último, é bom frisar que o jogo trabalha o tema do racismo muitas vezes de modo irresponsável. Há um excesso de racismo recreativo (camuflado em piadas) em Baldur's Gate III que realmente prejudicou alguns aspectos da minha experiência com obra.

Diante desses problemas, decidi dar 4/5 estrelas para o jogo. Mas com certeza é uma obra que vale a pena ser jogada.

2022

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Norco, para mim, foi um game riquíssimo em muitos aspectos diferentes. Tão rico que é um tanto difícil escrever sobre ele sem aquela sensação de que, talvez, eu esteja me esquecendo injustamente de algo. Mas a gente faz o melhor com as ferramentas que tem, não é mesmo? Prefiro correr o risco de me esquecer de algo importante do que não escrever sobre a experiência incrível proporcionada por Norco.

Em um primeiro momento, Norco é um jogo sobre a nossa relação com a cidade e sobre como ela dimensiona fortemente nossas escolhas de vida. A narrativa parte de uma visão muito pessoal do ambiente, já que alguns dos desenvolvedores do jogo viveram por lá. É incrível como a cidade possui uma história muito conturbada que se entremeia de forma tão intestina com as histórias de tanta gente. Dos plantations escravagistas, até os tempos atuais, com a exploração de Petróleo pela multinacional Shield Oil, vemos aqueles habitantes tentando sobreviver diante do poder esmagador do Capital. Trata-se de uma gente que, por meio do trabalho de formiguinha, prossegue resistindo diante de prejuízos em seu bem-estar, em seus bens materiais e é, claro, em sua saúde física e mental. O jogo, desse modo, aborda o conflito trabalho-capital sob uma perspectiva de cidade-empresa, e com isso demonstra muito bem o processo de expulsão e marginalização gradativa de seus habitantes.

Mais do que um jogo sobre essa relação cidade-empresa, Norco também aborda o conflito de pais e filhos - e, mais genericamente - sobre a figura da autoridade como um todo. É de uma sensibilidade ímpar a forma como o game faz comentários sobre esse tema, demonstrando, por exempo, que muitos dos conflitos originam-se de uma impossibilidade de comunicação decorrente de divergências geracionais. Cate não consegue dialogar com Kay porque não a entende, da mesma forma que o pai de Bruce também não consegue conversar com seu filho.

Essa temática ainda se torna mais relevante quando consideramos seu papel central na formação de grupos de extrema-direita, tal como os Garrets de John Kenner são retratados na obra. Muitos deles, crianças e adolescentes, acabam se tornando alvos fáceis de ideólogos fascistas na busca por uma autoridade em substituição aos pais e por pertencimento a um propósito de vida superior. Norco, dessa maneira, ao trabalhar o conflito de autoridade, acaba sendo muito atual e certeiro na demonstração de como grupos de extrema-direita realizam seu recrutamento entre jovens vulneráveis.

Também gostei muito de como o jogo brinca com seu gênero. É muito interessante a sua decisão de fundir muitos elementos do point e click, de visual novels e de RPGs. É um game que não se demonstra muito preocupado em conformar sua identidade com padrões previamente estabelecidos na indústria. Para alguns, isto pode soar como indecisão; para mim, foi uma decisão ativa e corajosa, responsável por tornar Norco uma experiência marcante. E penso que esse amálgama dos gêneros dialoga de modo muito coeso com a diegese do mundo retratado na obra. O mundo de Norco, afinal, é uma mistura de realidade e ficção, de presente e futuro, do normal e do absurdo. Norco é uma deliciosa salada que desafia definições e que se recusa em ser posta em classificações e categorias fechadas. E isso não só no nível das convenções e tropos de gênero, mas também da sua narrativa, design de som e estética.

Estou dando somente 4 estrelas porque acho que algumas partes da jogabilidade, principalmente seu combate, deixam a desejar. Aliás, considero o combate nesse jogo algo que não tem razão de ser na obra.

Mas é um jogo que recomendo muito.