eu sempre fui da opinião de que jogo de luta é um artifício de auto-expressão: apesar de ter um meta e o povo adorar fazer tier list, a ideia toda é mais individualista - escolher o boneco que mais gosta esteticamente ou o que acha mais fácil mecanicamente e aí conversar com o oponente se utilizando das ferramentas de cada personagem, como um dialeto. as histórias de Sempre Querer Ficar Mais Forte ou Encontrar Um Oponente À Altura e Superar Os Próprios Limites de séries como street fighter conversam muito com a teoria do esporte, então é normal que haja uma sobreposição entre essa meritocracia narrativa e a de quem gosta de mostrar o momento evo 37 para os entes queridos e aproveitar pra explicar como funciona taxa de quadros, etc

o que se revelou pra mim nas últimas semanas de Estudo De Guilty Gear é que eu não tenho mais a ambição de aprender a jogar um jogo de luta como tinha antes. nem é questão de idade ou tempo (a gente se dedica ao que quiser), e sim de que meus interesses mudaram. eu troquei de casa e meu controle de fliperama ficou na antiga. eu não assisto mais evo e nem vejo partidas no youtube. meu último contato com a cena foi jogar o modo história de tekken 7 assim que a pandemia começou.

isso tudo é relevante pra revelação (2): mesmo sem me importar com a parte Jogo de Luta de um jogo de luta, Guilty Gear é uma Obra Completa. a estrutura de jogar o arcade mode só como um prologozinho pro modo história que é simplesmente um filme de 6 horas sem nenhuma interação do jogador no meio casa perfeitamente com a minha vontade de ver o mundo que existe atrás dos cenários das lutas sem o jogo ter que criar justificativas absurdas pra ter uma lutinha a cada dez minutos. isso mostra um respeito à própria ficção que só pode existir quando você não a vê como uma limitação de expectativas. "tem um jogo de luta complexo e profundo e, acima de tudo, estilosíssimo aqui, mas não vou deixar isso atrapalhar a história que eu quero contar só pra seguir a estrutura que foi estabelecida por outras pessoas antes."

GG não é um jogo em que você se expressa através dos personagens. conforme você começa a querer explorar eles além das cenas e jogar com eles e até abrir os lobbies online pra jogar uma rankeadinha de vez em quando, a ideia de verdade vai se mostrando: eles são tão idiossincrásicos que são eles que se expressam através de você. você é uma extensão do modo história. o online é o recreio.

o fato do narrador dizer em todas as partidas que "está um tempo bom para uma corrida" me fez pensar se as condições climáticas se adaptam ao evento da corrida ou se existiram várias outras corridas que não assistimos e tiveram um clima não-perfeito e que aí o nosso protagonista (no meu caso, "enoque") é que é abençoado. estou pendendo mais para a segunda opção, visto que todas as vezes que o narrador exclama isso é como um anúncio, uma negação de todas as vezes em que o tempo tá meio feio. se são pedro respeita a corrida, imagina então a população: a gente tem uma cidade sem uma única pessoa na rua além da moça bonita que aparece na abertura. existe uma rádio que narra as corridas, mesmo sendo uma sociedade moderna, e como todas as ruas estão vazias (e todas as corridas são na mesma cidade [ridge city] mas não no mesmo lugar) de almas e de motores, presume-se que elas ficam em casa ouvindo o rádio. talvez olhem pela janela das centenas de prédios e casinhas que a gente passa, mas sempre escondidas. não dá pra arriscar sequer uma distraçãozinha.

acredito que essa seja a graça de dirigir: é uma coisa tão moderna e situacional mas que mudou o espaço geográfico e material do mundo inteiro. as cidades são feitas para os carros, as leis existem em voltas dos carros, os limites entre países precisam se adaptar aos carros, a tecnologia avança em volta de carros.

não dá pra ser um motorista sem se sentir a pessoa mais importante do mundo, a culminação de uma narrativa humanista que venceu a barbárie da natureza a ponto de tornar máquinas com rodas e explosões a nova natureza. o cachorro corre atrás do carro achando que é outro animal. o summon escondido de bravely default. a caminha quente do seu gato em dias frios — que nunca existem em ridge racer v, visto que toda corrida ocorre em um climinha agradável, como bem notado pelo narrador que levanta da cama e vai até o trabalho sempre que você pega o controle do videogame, e entra de férias quando você larga, agradecendo pela transmissão.

qualquer apócrifo respeitado e estudado começou como simples poesia

as melhores e as piores coisas do mundo são manifestadas usando um único tipo específico de condução e transformação de brio em energia: o rock

a canalização lua - farol - lanterna paralelizando câmera - memórias - cristalização ou mesmo a yakamoz nada mais ser que uma ilha transitória como são todas as pessoas do mundo e todas as fotos analógicas. jogo de símbolos e signos e vultos e notas com sustos que aparecem mais pelo desconhecido que pelo hostil e a memória te fazer lembrar do que ama também exporta sua dor em qualquer registro. lindo de morrer. a luz da lua é azul como a alma.

não tem jazz que se compare ao free jazz

a história do planeta te mergulha em trauma no momento que você nasce. o jogo sobre o poder da amizade mais misantropo do mundo

ideologia é o privilégio do não-desespero. o tempo necessário para tomar uma decisão teórica depende da ética que advém do desapego, de certa distância, do eterno "e se". o ethos não é um sobrevivente e sim um acadêmico. a ideologia se confunde com a política pois a política depende de um movimento em massa para acontecer, então ela se vende como um fator ideológico em que existe Informação a ser Interpretada: a normalização (criação de denominador comum) da heurística, um véu comunitário sob algo que é inerentemente solitário e solipsista. o pathos é a sobrevivência, a divisão definitiva entre o que é o Ser e do que é sua Ideia, pois embora um, claro, influencie o outro, corrija o outro, esse um nunca comanda o outro. há um abismo dificilmente cruzado entre a prática e a ideia quando não existe tempo de planejamento, quando a ideia já é um resultado de outros atributos ativos de antes. a única defesa contra a ideologia é o suicídio. o barulho de tiro é mais alto do que a música. não existem perigos universais pois eles não são necessários: o mundo está sempre acabando pra alguém.

no boktai 1 tem um momento que você chega numa área e o jogo te dá uma sequência de quatro dígitos numéricos numa placa, dizendo que é uma senha importante que você precisa memorizar pra conseguir passar de uma parte lá na frente. a dungeon em si envolve muitas operações matemáticas (pra dificultar a memorização dessa sequência), mas mesmo se você anotar a tal sequência, quando precisa digitá-la pra abrir a última porta, vai dizer que está errado. se você voltar pro começo da área de novo, o número vai ter mudado - anote mais uma vez, vá até o final, tente de novo, e vai estar errado. a resolução desse quebra cabeça é que essa senha é, na verdade, a hora marcada no seu relógio de verdade, fora do jogo.

os três jogos são cheios desses momentos de hiperrealidade. o que os difere de qualquer experimento moderno de realidade aumentada em que aparece um pokémon no seu quarto é o vetor. não é o jogo que está vazando no nosso mundo - é o nosso mundo que está vazando pra dentro dele. pequenas coisas que para os personagens não seriam explicadas dentro da ficção (p: por que o sol ficou mais fraco logo agora que eu preciso que ele fique mais fraco pois essa área tem vento que me atrapalha dependendo da intensidade da luz solar? r: pois deus existe e me abençoou, r2: pois eu cobri a fita do meu gba e fiz sombra, r3: porque eu diminuí a luz do sol mudando uma opção no emulador) são manipuladas por um mundo que eles não habitam, entendem ou tocam. a fé que ele tem no que existe dentro de si mesmo é tamanha que só pode inspirar. se sua mensagem final é que, é claro, o futuro depende de nós (como todos os jogos da kojipro) e das nossas pequenas ações diárias e iterativas, a força da mensagem é ainda mais intensa visto que ele mesmo depende dessas pequenas ações de nossa parte que fazem toda a diferença na dificuldade e na verdade que eles enfrentam lá dentro.

a estética faroeste-gótica com todas as cores mais lindas que existem em um mundo que está em estado terminal e precisa demonstrar que a esperança não vem do quão legal era mas do quão legal *é* porque o mundo que temos para restaurar é o do presente casa muito bem com uma história de iconoclastia que é simultaneamente avassaladora e reverente, sendo nostálgica de coisas que estão aqui, ainda, só pensando em quando elas não vão estar mais.

umas semanas atrás eu sonhei que alguém importante me dizia pra jogar esse jogo, e eu resolvi acatar porque não pensava em boktai há anos. erro meu! acredito agora, sem muitas ressalvas, que esse é o melhor jogo do mundo. mas mesmo se não for, fico imaginando quais foram as respostas dele pra essas pequenas vazadas tecnognósticas que ele insiste em ficar fazendo em outras realidades. presumo que seja r mesmo.


é muito bom quando você não consegue saber o jeito que o negócio vai reagir nem quando você aperta uma simples direção. ir pra direita vai pra direita mesmo? ou será que ela vai dar uma voltinha e parar mais ali pela frente?

deveria ir pra direita? só porque estamos acostumados que vá pra direita? seria "d" por causa de "david hume"?

(leia mais em inglês aqui: https://www.superjumpmagazine.com/d-frustration-as-a-canvas/)

buraco negro cosmológico. rizoma retórico criando bolhas e não galhos, se engolindo, se separando, um útero, um cacho de uvas, implosão bibliográfica. o milagre é você e não sua escola.

jogo em que o boneco faz movimentos absurdos dependendo da nossa habilidade sempre me coloca numa mentalidade de "se esse personagem aprendeu a se mexer tão bem assim, será que ele teve tempo para alguma outra coisa? será que tem hobbies? ele jogaria videogame? ele sabe LER?" e o legal de gunvalkyrie é que você só descobre a resposta pra essas perguntas nos últimos dois minutos de jogo. até lá é só bater o ponto, mesmo

pra mim o "tchans" da remedy é essa vontade incessante de fazer histórias sobre histórias, apontando pra artificialidade delas mas com a certeza que essas artificialidades (clichês, "tropes", vontades, leituras metalinguísticas) não deveriam atrapalhar nunca a verdade que as histórias carregam. todos os jogos deles são sobre esses mitos e arquétipos sem nem subvertê-los mas mostrando que existe um valor intrínseco na criação da história em si, seja ela através de jogo, ou filme, ou música ("find the lady of the dark...") ou quadrinho. essa calhou de ter os melhores ternos da história dos videogames.