as paredes não tem olhos nem ouvidos mas elas bloqueiam os seus

queria poder ver os mapas por fora como naqueles vídeos de dark souls, labiríntico de forma que você precisa depender dos colegas pra entender como é o mapa e onde ir, mas sem interromper o fluxo: fogos precisam ser apagados e pessoas precisam ser salvas, mesmo que sejam as pessoas erradas nos lugares certos.

dos jogos de profissão (death stranding, papers please) é um dos melhores, mas também se afasta tanto da ideia padrão de como uma profissão funciona que deve inspirar quem nunca nem sonhou em salvar um gatinho da árvore. ser um bombeiro no mundo de burning rangers tem todo o apelo de ser um astronauta no nosso: é a vida adulta mais legal possível, a profissão esporte radical.

#FreeYujiNaka

é uma instalação que compõe o museu inteiro: todas as coisas aqui são dedicadas à mesma obra, que por si só só poderia ser documentada de um jeito lúdico. você usa os mesmos botôes pra trocar de tela que usava para trocar de arma, escuta os mesmos sons, espera o mesmo segundo e meio antes de uma cena (ou, nesse caso, algum trailer ou vídeo promocional) carregar.

é difícil falar de mgs2 hoje em dia simplesmente porque parece que tudo já foi destrinchado e o jogo alcançou um status que dificulta muito o acesso à seu modo mais puro. além de jogar sem ter entrado na internet nos últimos 22 anos, essa aqui é a melhor forma de ver como todas essas opiniões se formaram. a sofisticação do menu, os relatórios (que, infelizmente, estão em japonês no disco [mas podem ser acessados em inglês na internet]), os créditos à equipe inteira (inclusive os músicos além do harry!) dentre entranhas de desenvolvimento: modelos de personagem não usados, modelos de lugar não usados, modelos arquitetônicos não usados. tudo meio de modelos de personagens usados, modelos de lugar usados, modelos arquitetônicos usados. música, movimentos, e até uma quantidade razoável de missões VR (que, é claro, só poderiam ser jogadas em um disco chamado "documento").

tem menos do que um menu de "extras" de dvd e significa muito mais. um filme esteta, uma revista multimídia, um companheiro mordaz: tudo o que o jogo original também é.

todas as lindas metrópoles em ruínas, todas as cidadezinhas em ascenção, graças a mim e graças a todos eles

apesar da história ser um metal gear solid alternativo que segue a história de metal gear 1 e 2, o jogo presume que você também jogou o solid original, referenciando ele diretamente nas mecânicas e quebra-cabeças. portanto, está mais pra mgs2 (inclusive nos temas de forjar um herói politicamente através de seu contexto cultural) mas com uma conclusão mais vingativa do que transformativa, embora igualmente individualista.

no final ele fala com o snake mesmo e não com o jogador, e essa talvez seja o maior ponto de cisão com o resto da série

curioso pensar que todos os personagens principais de jogos da kojima productions e adjacentes são pessoas que são obrigadas a trabalhar por circunstâncias extraordinárias até perceberem que não conseguem existir se não estiverem trabalhando (no caso desse jogo, o dingo literalmente precisa do robô pra se manter vivo) porque o trabalho se tornou parte essencial do seu léxico, nome, corpo, função, vício. muito curioso!!

noir (de todas as formas: monólogos, detetives, fantasma fumante!!) sobrenatural sobre o ciclo de morte causado por traumas geracionais e intolerância dentre pessoas que deveriam estar do mesmo lado.

sem combate, só investigação e exploração, mesmo sendo uma história super violenta. muito feliz que a square voltou a dar dinheiro pra pessoas fazerem essas coisas pequenas agora como estava fazendo nessa época.

havia escrito tudo isso aí embaixo em fluxo de consciência e desenvolvi um pouco mais estruturalmente aqui:
https://www.superjumpmagazine.com/dirge-of-cerberus-a-gothic-sexual-melodrama/

poderia estar facilmente naquela lista de "dramas psicosexuais niilistas" que aparece sempre que você assiste um filme bom no letterboxd só pelas roupas dos personagens que são claramente frutos de estudo sobre a cultura BDSM (até porque a ideia de Tirar Algo Da Dor é o cerne do jogo). o negócio é que fora isso ainda tem toda a parte naturalmente gótica (e, portanto, literariamente melodramática) que vem da infidelidade compulsória em prol da ciência? da histeria da criação? do medo de buscar sempre o mesmo parceiro em corpos diferentes para interesses românticos? (e inclusive com mais de uma cena em que dizem que o protagonista deverá "apenas assistir" alguma coisa quando ele está em posição de vulnerabilidade, bem voyeur), tem o complexo de lolita (literal e assexuado, reprimido e e atípico) de uma das personagens, o transhumanismo da outra personagem com deficiência física que se traduz em assimetria corporal sendo disfarçada com roupas convencionalmente atraentes. também tem a constante lembrança de que o lugar físico é amaldiçoado pela depravação que ocorre pelos seres que nele habitam, por várias gerações, pois o trauma do planeta é maior que todos os traumas individuais.

também toca na ideia de que estaremos sempre constantemente assistidos e julgados pelas ações que tomamos na grande rede que é a internet, inclusive não tendo paz nem depois da morte. o jeito que imbuimos todos os nossos sentimentos online faz com que nem lá as pessoas consigam se esconder da cacofonia que é o mundo. este também, eternamente sujo pelas ações que as pessoas cometem.

até sair o remake este era o único jogo da compilação de final fantasy vii que pegava a história original e buscava nela uma forma de trazer a necessária temática contemporânea pós-virada do milênio. ele transformou uma história atemporal e eterna em uma história temporal e contextualizada, mas não menos eterna. toda essa transiência se mostra no pulo duplo que sequer precisava estar lá (na versão japonesa nem tem!), no modo como o Vincent parece deslizar nos mapas em vez de andar e até na perda de personagens e informações importantes que não vieram para a versão ocidental - coisas que podem, é claro, ser encontradas pela internet (a nossa). tudo isso pra ser resolvido só vinte anos depois, e na verdade sequer sabemos se irá.

passar por lugares queridos que já estavam destruídos, mal cuidados e profanados no original (e também estão destruídos em hd no remake) e ver que agora eles estão ainda piores consegue causar certa nostalgia de um jeito trágico, de que nada está tão ruim que não possa piorar só pelo ângulo de câmera ou a escala de cores. a única paz eterna é no jardim da própria mente e ainda assim várias invasões precisam ser contidas. invasões de fantasmas, propagandas, e discursos venenosos.

na penúltima missão do jogo tem uma recriação de um dos momentos mais icônicos do original (e a capa do jogo): Cloud segurando a Buster Sword e olhando o prédio da Shinra. dessa vez, não é o Cloud e nem um prédio, mas estão ocupando o mesmo lugar. são deuses, coisas muito menos humanas do que um mercenário anti-establishment e uma empresa de energia elétrica, mas ao mesmo tempo coloca essas duas lutas no mesmo patamar.

a sentença hermética do "como acima, assim embaixo" sempre foi um aspecto bem importante de toda a compilação (e continua sendo no remake), mas em nenhum outro jogo ela é tão escancarada quanto aqui. um dos maiores do mundo.

meditação sobre criação e memórias, estilosíssimo, repetitivo, melancólico, te tutorializa até o último capítulo e de um jeito bem escola pública mesmo (hora de aprender a usar essa skill, mas você mesmo tem que ir lá botar ela no seu inventário! e ele fica em outra área do mapa!). o legal é que tudo isso acaba tendo um ar litúrgico (depois de todas as missões ir falar com todo mundo pra descobrir a próxima sem nenhuma indicação, acabar descobrindo mais sobre os personagens nessa - ir olhar a loja que vai ter um pacotinho de skills aleatórios novo - ir andar por todas as salas da base) e isso se reflete na lição final: ainda que Deus estivesse morto mesmo, o testamento dele é todo o futuro, e o futuro é brilhante!

museu de arte pop contemporânea, disco de música experimental, tecnologia em prol do dadaísmo modular de peças maleáveis, tudo disfarçado de subversão de franquia famosa.

anacrônico de um jeito eterno, usa o tempo como roupa mesmo.

escrevi mais a respeito (em inglês) aqui: https://www.superjumpmagazine.com/wanted-dead-exists-beyond-time/

um jogo todo baseado na mecânica das botas de ferro no templo da água do ocarina of time: a maioria das chaves e soluções pros problemas desse mundo isolado estão nas roupinhas que você veste e quando você as equipa. paraíso de acumuladores, cleptomaníacos e fashionistas.

obs: além de tudo, compartilha o nome com infinite jest.

existe certa resistência ao conceito de equilíbrio e harmonia quando se fala de gênero, seja por opressão sistemática ou reparação histórica, mas a ideia de "jogo é pra menino" atrapalhou muito a criação de coisas que exploram a masculinidade de forma profunda - nós somos enganados quando achamos que só porque algo é violento ou sexualmente intenso de maneiras específicas esse algo está falando sobre ser homem, e por parecer que está, ninguém vê necessidade de tentar detalhar um pouco mais.

não é a guerra ou a paternidade que faz obras que tratam de tais temas (e temos muitas, god of war ragnarok incluso nesta lista) falarem sobre masculinidade, mas sim o brio de seguir ordens de lapidação do mundo e a preocupação de que esse mundo é o que vai abarcar aqueles e aquelas que amamos. a coragem de falar sobre sentimentos de forma que converse com sua própria natureza e não tentando emular a feminilidade nisso. ela nos complementa, ensina, e aprendemos por observar, não por copiar, assim como elas também podem fazer conosco através de comunicação e arte.

existem poucas coisas que são experiências compartilhadas por todos os gêneros e sexualidades, mas pra mim a mais importante delas é o luto. a morte é o que faz a gente se juntar, se separar, lutar, amar, reproduzir, se divertir, se entristecer, enlouquecer, e é através dela que precisamos aprender a entender todas as lutas que jamais tivemos porque nossa alma calhou de estar mais pra lá ou mais pra cá no espectro.

não é o fim do mundo, a morte de deuses, as nove dimensões diferentes que exploramos, a descoberta de pontos obscurecidos da história ou o feedback tátil de quando puxamos nosso machado de volta atingindo três inimigos diferentes que fez com que meu cérebro sentisse alívio e paz por ser como é desde que nasci. o que causou essa paz foi ver um dos personagens mais violentos da cultura pop dos últimos 20 anos pedindo desculpas, admitindo um erro e não deixando isso atrapalhar sua coragem e ímpeto nem por um segundo.

todo mundo achava que a segunda narrativa criada na história da humanidade seria o (ou durante o) pós-modernismo, se a primeira foi a tragédia grega e seu destino como personagem principal - mal sabiam os estudiosos que o pós-modernismo é a terceira, já que a segunda é bravely default e sua tese sobre a coragem de fazer o que é esperado de maneira consciente, tomando a decisão padrão por brio e não por conformidade, trocando a fenomenologia hegeliana (outro ato de coragem) pela fenomenologia hegeliana (outro ato de omissão).

escrevi mais (em inglês) aqui: https://www.superjumpmagazine.com/bravely-default-as-ergodic-literature/

expressionismo-gótico-noir-"weirdo-watchlist", estranho, hostil, obtuso, perfeito. ocultismo que leva à divinação criativa, tendo Deus como refém.