todas as mais tocantes histórias do mundo e nenhuma delas tem a ver com você. um observador ativo, alguém que permite e causa a felicidade dos outros sem receber curvas deterministicas em troca; ver as mais variadas (bonitas, feias, tóxicas, diligentes, zelosas, malvadas) formas que o amor tem de se manifestar e permitir (e até possibilitar) que elas aconteçam sem atribuir uma carga moral às próprias ações, afinal, é seu trabalho, como o de um diretor, ou o de deus. alguns deuses guardam o julgamento silencioso para o fim dos tempos e alguns são manifestações de todas essas mazelas humanas por si só, abraçando a própria natureza como verdade com v maiusculo como demonstração de Ser. qual desses é o menino de moon? qual desses é o jogador de videogame?

é claro que depois de cinquenta anos de treino hoje a gente considera videogame algo "intuitivo", mas não é uma prática psico ou fisiologicamente natural. minha mãe sofria muito quando tinha que apertar pra frente e o botão de pulo ao mesmo quando eu tentava fazer ela jogar donkey kong country 3, e isso não quer dizer que ela era incapaz ou que o jogo "não ensinava direito", mas sim que ela não havia praticado tanto quanto eu. a graça de unlimited saga é que ele é impraticável, inacostumável, mesmo se você gostar de videogame, gostar de rpg, gostar de jogo por turno, gostar de jogo de tabuleiro ou gostar de outros saga.

não dá pra dizer que ele foi feito pra alguém. intuitivamente ninguém vai orbitá-lo. nem mesmo os criadores! foi um esforço tornar ele tão obtuso quanto é, uma filosofia de atrito, documentada. não acho nem que é um jogo que o kawazu fez pra si mesmo. entretanto, também não é um exercício de hostilidade: o jogo é super agradável esteticamente. ele te chama e te acaricia, te dá a tal da dopamina em todos os momentos de aposta, se revela, mas sua profundidade é tamanha que sempre vai faltar algo para você conseguir entender completamente. ele te manipula em seus mistérios, no que deixa de revelar, nos seus resultados imprevisíveis, nas maldadezinhas ocasionais e nos presentes inesperados.

é legal também que a única cena super animada e elaborada seja no mesmo lugar para todos os personagens — eu sempre ficava ansioso pra chegar em regina leone pra ver como iam mostrar o festival dessa vez. serve como o núcleo de familiaridade entre todas as histórias, visto que o contexto sinestésico delas também varia muito. você aprende bastante cada vez que completa uma, mas nunca o suficiente pra próxima ser fácil ou só uma lapidação de conceitos.

todos os momentos de unlimited saga são como jogar videogame pela primeira vez. eu nem lembro como foi essa sensação de verdade porque na minha cabeça eu já nasci usando uma meia do Sonic, mas agora consigo sentir esse ataque meio esquizo aos sentidos que é apertar um botão e sentir que tenho que lutar com minha própria mente com o qual já tinha me acostumado como se fosse novo. sensação de projeção astral em outro mundo onde não existe nenhuma convenção artística e tudo é cognitivamente violento. não gostaria de morar lá, mas visitar é sempre uma diversão.

as melhores e as piores coisas do mundo são manifestadas usando um único tipo específico de condução e transformação de brio em energia: o rock

emulação de manifestações do caos, brincadeira com divinação de um modo muito puro (como em "cru"). cria imagens bonitas só pelas frutas e a possibilidade de pintar um quadro utilitarista com ferramentas que você não escolhe. contempla uma qualidade minha pouquíssimo valorizada: a teimosia.

eu sempre fui da opinião de que jogo de luta é um artifício de auto-expressão: apesar de ter um meta e o povo adorar fazer tier list, a ideia toda é mais individualista - escolher o boneco que mais gosta esteticamente ou o que acha mais fácil mecanicamente e aí conversar com o oponente se utilizando das ferramentas de cada personagem, como um dialeto. as histórias de Sempre Querer Ficar Mais Forte ou Encontrar Um Oponente À Altura e Superar Os Próprios Limites de séries como street fighter conversam muito com a teoria do esporte, então é normal que haja uma sobreposição entre essa meritocracia narrativa e a de quem gosta de mostrar o momento evo 37 para os entes queridos e aproveitar pra explicar como funciona taxa de quadros, etc

o que se revelou pra mim nas últimas semanas de Estudo De Guilty Gear é que eu não tenho mais a ambição de aprender a jogar um jogo de luta como tinha antes. nem é questão de idade ou tempo (a gente se dedica ao que quiser), e sim de que meus interesses mudaram. eu troquei de casa e meu controle de fliperama ficou na antiga. eu não assisto mais evo e nem vejo partidas no youtube. meu último contato com a cena foi jogar o modo história de tekken 7 assim que a pandemia começou.

isso tudo é relevante pra revelação (2): mesmo sem me importar com a parte Jogo de Luta de um jogo de luta, Guilty Gear é uma Obra Completa. a estrutura de jogar o arcade mode só como um prologozinho pro modo história que é simplesmente um filme de 6 horas sem nenhuma interação do jogador no meio casa perfeitamente com a minha vontade de ver o mundo que existe atrás dos cenários das lutas sem o jogo ter que criar justificativas absurdas pra ter uma lutinha a cada dez minutos. isso mostra um respeito à própria ficção que só pode existir quando você não a vê como uma limitação de expectativas. "tem um jogo de luta complexo e profundo e, acima de tudo, estilosíssimo aqui, mas não vou deixar isso atrapalhar a história que eu quero contar só pra seguir a estrutura que foi estabelecida por outras pessoas antes."

GG não é um jogo em que você se expressa através dos personagens. conforme você começa a querer explorar eles além das cenas e jogar com eles e até abrir os lobbies online pra jogar uma rankeadinha de vez em quando, a ideia de verdade vai se mostrando: eles são tão idiossincrásicos que são eles que se expressam através de você. você é uma extensão do modo história. o online é o recreio.

recentemente eu assisti todos os missão impossível e percebi que no meio da série a coisa se torna mítica. o ethan hunt alcança um ar meio divino — não é mais surpreendente que ele esteja três passos à frente de todos, que ele vai conseguir carimbar a missão como possível. a tensão deixa de ser "será que ele consegue?" e passa a ser "como ele vai conseguir dessa vez?". começa a se tornar um gênero literário hermético por si só quando a história cria um cânone tão grande que suas referências passam a ser essa própria história escrita por outros nomes, em outras épocas e portanto com outras mensagens. o império pós-materialista conseguiu tornar o nome (de alguém, de algo) tão sagrado que ele guarda uma carga identitária que representa um universo por si só com sua própria ontologia artificial, palavra que também carrega cada vez menos peso negativo em uma dinâmica de tulpa que permite buscar isso como desejável mesmo assim.

a narrativa da identidade secreta não trata tanto assim do que os outros fazem pra te desmascarar e sim das conflitos internos de negar todas as suas conquistas que ocorreram até aqui; é uma briga de ego: o ego jovem da identidade nova e o ego velho da antiga. o ethan hunt passou sete filmes em paz porque ele é orgulhoso de seus feitos em todas as dimensões de sua existência, ele aceita a deificação, se banha nos sacrifícios que lhe oferecem, entende que o mundo inteiro é missão impossível; o kiryu, por outro lado, tem uma consciência meio além-jogo: todos os personagens de like a dragon existem como se like a dragon fosse tudo o que importasse no universo, mas ele não. ele tenta escapar dessa ficção, tocar em problemas reais, ter prazeres reais, fugir da reencarnação do autor, mas também sabe que se fizer isso todos os seus feitos anteriores terão sido em vão e todas as memórias vão se esvair. tudo o que ele tem agora são memórias. ele é quem teria que se sacrificar para um mundo que vai ter que, por obrigação, esquecer que ele existe.

um personagem conseguiria decidir isso bem facilmente caso fosse um aspecto importante Temático de uma História, mas quem disse que ele é um personagem?

o elevador é o único santuário de um prédio corporativo

como a frey consegue ser triste e debochada em frente a um mundo tão cheio de coisas incríveis a serem descobertas e paisagens tão pitorescas? como ela consegue se manter descolada em frente a Tantas outras pessoas sofrendo e mesmo assim dispostas a ajudá-la?

uns anos atrás foi recebido com deboche no meio da discussão sobre dificuldade em jogos um artigo dizendo que deveriam existir mais jogos "emocionalmente desafiadores". por mais que a base do artigo fosse equivocada, acho que esse é um caso bem claro de um jogo muito difícil emocionalmente porque ele segura um espelho enorme na frente de qualquer pessoa que não leva a arte que observa a sério. além de perguntar "será que você também não é insuportável?", ele também te mostra de braços abertos e campos floridos que a resposta é que abraçar o mundo é sempre a melhor saída, mas que nem todas as pessoas tem o privilégio de sentir a alegria que vem com o vento no rosto, os barulhos de animais, a liberdade do movimento.

o tchans é que essa negatividade também pode existir, pois todo mundo tem dores visíveis e invisíveis que deixam todos os sentidos turvos em vários momentos da nossa vida, e é importante ter paciência com quem sofre de coisas que não sofremos, ou que sofre de maneiras que não sofremos, pois no fim é essa paciência que vai ajudar mais do que qualquer conselho.


me coloque numa sala com 20 pessoas que dão “dicas de escrita” e só eu sairei vivo, causando explosões e derretimentos só com a força negativa que mentalizarei cada vez que alguém falar que “mostre, não conte!” é uma regra indiscutível. com meu martelo de Depende em mãos eu destruirei todos os guias sem asteriscos.

trails from zero não deixa de contar para mostrar, mas acredito que pela limitação estética que os spritezinhos charmosos tem, ele acaba se sentindo na obrigação de mostrar que está sendo contado. as aspirações literárias da série não são segredo pra ninguém — levante uma pedra e quatro fãs de trails vão te falar que o SC tem não sei quantas mil palavras a mais que senhor dos anéis, descasque uma cebola e nove vão enxugar os olhos antes de te dizer alguma frase com a palavra “worldbuilding”, e chacoalhe uma árvore se encontrar alguma — mas por estarmos em uma tela (e não em uma folha), a sentença “’Você está preso!’ Lloyd disse, exalando coragem” não cabe numa caixa de diálogo, que, portanto, é substituída por “Você está preso!”, seguida pela observação “como o Lloyd parece corajoso enquanto diz isso!” de outro personagem. pelo menos um quarto dos diálogos do jogo envolve um outro personagem apontando que o personagem que acabou de dizer X está no estado Y, ou te explicando como aquilo se relaciona com outro evento que rolou dez horas atrás. não dá pra só se referir pelo nome (afinal, não dá pra voltar as páginas!), então toda informação nova precisa ser cheia de apêndices diegéticos pra não deixar ninguém pra trás. de certa forma, dá pra ver isso como consideração (e eu não pretendo nunca prezar pelo que "respeita minha inteligência", também), mas é também uma reação de vítima.

não é a pior coisa do mundo, mas a mitologia de que a Falcom sempre pensa nos jogos dessa série como um só e acaba dividindo em dois no meio da produção (Sky FC e SC, Zero e Azure, CS1 e 2, CS3 e 4) porque ficou maior do que o que foi projetado deve ser em partes por causa disso. eu não me importo muito com esse problema isolado (e acho que isso é uma das coisas que os fãs mais gostam), mas sinto que os desenvolvedores queriam se ver livres dessas amarras – até porque nos cold steel essa parte do texto já melhora consideravelmente (sendo que eu pessoalmente acho que os modelos 3D de CS1 e 2 são bem menos expressivos que os bonequinhos desses jogos que vieram antes) e a história toda continua funcionando de um jeito ótimo.

fico pensando se as coisas que desgostei não foram exacerbadas porque a base do lançamento oficial foi a tradução prévia feita por fãs e não por pessoas que tem alguma intimidade profissional com escrita artística, e por isso os personagens todos tem uma voz tão parecida e as descrições são daquele jeito.

o bom é que apesar disso esse jogo tem ótimas dungeons e eu adoro como o urbanismo pop de crossbell (todo mundo com carinha de soyjak deslumbrado com internet e energia elétrica, se sentindo foda porque não é república e nem império, etc) influencia e é influenciado igualmente nos aspectos sobrenaturais. a falcom é ótima em alimentar tanto a galera “intrigas políticas!” quanto a galera “aura de dragon ball na hora de lutar e robô gigante” que estão em constante contenda porque não percebem que a graça da série é justamente ter os dois. também achei super legal como o conceito de gnose aqui é mais próximo ao do nosso catolicismo (“certo tipo de conhecimento é perigoso e pode acabar com sua individualidade”), diferente de grande parte dos JRPGs em que ela é indubitavelmente boa e necessária moralmente para as pessoas descobrirem por si mesmas a raiz do bem e do mal. ela não é vista como herege e os apócrifos não são escondidos, mas se desenvolve como resultado de certo cientificismo que se demonstra laico mas não é. uma dinâmica bem original e facilmente refutada dependendo do rumo da história, também, então torna todo o caminho bem colorido.

cada vez que eu começo um jogo desses e lembro que ainda faltam outros seis cinco quatro pra eu chegar onde quero chegar na história me dá certo desânimo, mas aí chega o final e me motivo de novo, vendo as coisas lentamente se formando e ficando mais esotéricas, como todas as grandes obras. o descobrir das partes mais ocultas do mundo se dando tão lentamente acaba refletindo a vida real de um jeito inesperado, e aí vale a pena mesmo ver o sol nascer.


buraco negro cosmológico. rizoma retórico criando bolhas e não galhos, se engolindo, se separando, um útero, um cacho de uvas, implosão bibliográfica. o milagre é você e não sua escola.

o fato do narrador dizer em todas as partidas que "está um tempo bom para uma corrida" me fez pensar se as condições climáticas se adaptam ao evento da corrida ou se existiram várias outras corridas que não assistimos e tiveram um clima não-perfeito e que aí o nosso protagonista (no meu caso, "enoque") é que é abençoado. estou pendendo mais para a segunda opção, visto que todas as vezes que o narrador exclama isso é como um anúncio, uma negação de todas as vezes em que o tempo tá meio feio. se são pedro respeita a corrida, imagina então a população: a gente tem uma cidade sem uma única pessoa na rua além da moça bonita que aparece na abertura. existe uma rádio que narra as corridas, mesmo sendo uma sociedade moderna, e como todas as ruas estão vazias (e todas as corridas são na mesma cidade [ridge city] mas não no mesmo lugar) de almas e de motores, presume-se que elas ficam em casa ouvindo o rádio. talvez olhem pela janela das centenas de prédios e casinhas que a gente passa, mas sempre escondidas. não dá pra arriscar sequer uma distraçãozinha.

acredito que essa seja a graça de dirigir: é uma coisa tão moderna e situacional mas que mudou o espaço geográfico e material do mundo inteiro. as cidades são feitas para os carros, as leis existem em voltas dos carros, os limites entre países precisam se adaptar aos carros, a tecnologia avança em volta de carros.

não dá pra ser um motorista sem se sentir a pessoa mais importante do mundo, a culminação de uma narrativa humanista que venceu a barbárie da natureza a ponto de tornar máquinas com rodas e explosões a nova natureza. o cachorro corre atrás do carro achando que é outro animal. o summon escondido de bravely default. a caminha quente do seu gato em dias frios — que nunca existem em ridge racer v, visto que toda corrida ocorre em um climinha agradável, como bem notado pelo narrador que levanta da cama e vai até o trabalho sempre que você pega o controle do videogame, e entra de férias quando você larga, agradecendo pela transmissão.

esse jogo exala um certo tipo de sexualidade que não é comumente explorada: ela exige certos rituais, atenção, até beleza, mas é completamente desprovida de ego. nada é performativo. percebi que eu não tenho muita afinidade com os grandes jogos de ação dos nossos tempos (bayonetta, dmc) em partes justamente porque eles são extremamente performáticos, os personagens se comportam de forma titilante, confiante, e sabem que há uma câmera ali os assistindo — suas frases são ditas para alguém ler, seus movimentos são feitos para alguém assistir, e até mais: para alguém controlar. é nossa responsabilidade ou afirmar o dante ou fazer ele ser um mentiroso, mas todos os comandos são expressões de ideias dos personagens, toda virada é auto-consciente; um espelho de teto no motel, a gravação de celular, o culto à própria performance.

o ryu não atribui uma moral aos seus movimentos: se você não fizer o que o jogo quer, você não passa, e se você passou, é porque fez o que o jogo quer. não importa quantos itens de cura usou, quantas flechas de fogo, quantas vezes a Alma te matou com uma coluna de mármore (e a igreja ainda se manteve em pé): se foi, foi. ele te tranquiliza mostrando que nem toda vez vai ser tão boa assim, mas que o ato de se despir já é coragem o suficiente e comunica infinitas passagens. não acredito que seja uma eficiência clínica, mas confiante. é impressionante intrínsecamente conseguir jogar, sem a parte extrínseca do rank e dos combos; seja greater ninja ou ninja dog, a parte importante é ninja.

aquela citação da phillys diller do "never go to bed angry; stay up and fight" alcança outros significados aqui, demonstrando certa intimidade com o processo que permite tornar o que é sexy em algo rotineiro, menos preocupado em impressionar e mais preocupado em comunicar que mesmo que dessa vez não dê certo é só tentar de novo.

em 2015 eu argumentei que o ninja gaiden original era o primeiro jogo que poderíamos usar para impressionar um interesse amoroso, e agora consigo dizer que o ninja gaiden black é casar com ela.

documentário extremamente factual e rigoroso sobre as maiores empreitadas artísticas e os mais terríveis medos da humanidade

a canalização lua - farol - lanterna paralelizando câmera - memórias - cristalização ou mesmo a yakamoz nada mais ser que uma ilha transitória como são todas as pessoas do mundo e todas as fotos analógicas. jogo de símbolos e signos e vultos e notas com sustos que aparecem mais pelo desconhecido que pelo hostil e a memória te fazer lembrar do que ama também exporta sua dor em qualquer registro. lindo de morrer. a luz da lua é azul como a alma.

provavelmente a coisa que eu mais escrevi, falei e pensei a respeito nos últimos 15 anos. vou deixar para a próxima geração agora.